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Dos discos de cabeceira: The Psychedelic Furs - "Mirror Moves" (1984)

Ser punk , ou ter uma banda punk, nos idos de 1977, parecia representar o completo desprezo pelo que se chama 'comercialismo', que vem a ser a arte de fazer concessões musicais em busca do sucesso. Todo grupo que se dizia punk naquele período era um manifesto vivo à contra-cultura e à industria formal do disco. Foi esta atitude que acabou detonando a onda de selos independentes nos anos 80, todos eles (os viáveis, é claro) encampados posteriormente pelos grandes labels. Um exemplo deste desprezo é a clássica relação entre os Sex Pistols e as diversas gravadoras pelas quais o grupo passou.

O grupo inglês The Psychedelic Furs (um inteligentíssimo trocadilho que significa 'peles psicodélicas' mas que ao ser pronunciado entende-se 'os quatro psicodélicos') tem sua maior ironia justamente no fato de que a psicodelia era um dos alvos preferidos de ataque da geração 77. Não eram psicodélicos e sim raivosos garotos de subúrbio, que praticavam um punk rock ignorante, sem muitos acordes e com melodia apenas sugerida. Nunca nem sequer rasparam no sucesso, pois não eram do primeiro escalão do punk e muito menos faziam parte daquela que foi considerada a 'segunda geração do punk rock' (Sham 69,Angelic Upstarts,Stiff Little Fingers, etc.), que na verdade ainda não existia.

O caminho natural desta banda era entrar para a história e o coração dos punks mais fanáticos, tal como seus colegas do Anti-Nowhere League. Até que eles se encontraram com o produtor Keith Forsey, responsável pelo estouro de gente como Donna Summer e a reabilitação de carreiras quase mortas como as de Diana Ross e Al Green. O que Forsey viu naquele bando de ingleses estranhos, até hoje não se sabe, mas o esforçado produtor conseguiu um contrato com a Columbia e levou os meninos para Los Angeles. Neste turbilhão de acontecimentos, o grupo perde o baterista, inconformado com a rendição ao temido 'comercialismo' que se avizinhava. Problema? Não! O grande Keith assumiu (ainda que de forma medíocre) as baquetas.Ora, pois...

Faltava escolher o repertório e nesta hora o guitarrista Richard Buttler bateu o pé. Tudo bem, contanto que fossem melodias fáceis, teria dito Keith Forsey. E foi atendido. A coleção de canções criadas pelo, a essa altura, ex-punk,  era de fazer inveja a Paul Weller. E destas, uma se tornou um clássico do rock regravado pela diva Annie Lennox: 'Heaven'. 

O disco começa com 'The Ghost In You' e a faixa já prenuncia o que vem por aí. Letras tristes e angustiadas, embaladas em uma roupagem pop-chic. 'Here Comes The Cowboys'  arrisca uma discreta batida dance mas o teor da letra permanece o mesmo. Em seguida a maravilhosa e já falada 'Heaven' em que Buttler questiona o significado do céu e do inferno, mas permanece agradavelmente pop. 'Heartbeat' retoma o pique dançante e 'My Time', mais lenta, é uma belíssima balada recheada com mais uma ótima letra, que fala das angústias de ver o tempo escorrer por entre os dedos.

'Like a Stranger' novamente convida à dança e 'Alice's House' lembra o passado punk devidamente podado pelo papai Forsey. 'Only a Game' é pesada e claustrofóbica e 'Highware Days' segue o mesmo caminho. Mais umas duas canções e teríamos um revival punk!  O sucesso deste disco foi enorme, muito bem recebido por público e crítica, além de ter detonado uma onda de grupos mais pesados com uma pegada mais pop, que viriam a ser chamados de 'pós-punks'. Na sequência , ainda sob a batuta de Keith Forsey , o grupo gravaria o tema do filme 'Pretty In Pink' e faria mais alguns álbuns, bem sucedidos mas sem repetir o brilhantismo e o sucesso deste 'Mirror Moves'. Mas pouco importava; mesmo optando por um deslavado comercialismo,o grupo escreveria com chave de ouro seu nome na história do rock and roll.


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