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Lembranças de John Lennon.

Era  uma terça-feira de dezembro de 1981. Não me lembro bem porque alguém daria uma festa em um dia de terça, mas a memória não me engana, muito menos o calendário, o qual, inclusive, já consultei para me certificar. A garota na qual eu andava interessado me convidara para uma reunião em que se faria uma espécie de "jogo da verdade". Tinha a mais absoluta certeza - devidamente comprovada algum tempo depois - de que o interesse era mútuo e a nítida impressão de que aquela terça seria nobre e, enfim, eu me daria muito bem.

Como Lennon estaria hoje 
A tal reunião aconteceria na casa ao lado de onde morava o meu melhor amigo. E este amigo era como  o "Cérebro" da dupla Pink e Cérebro. Eu era o Pink, evidentemente. E, ao chegar em sua casa, todo perfumado e arrumado, pronto para irmos à tal reunião, o encontrei cabisbaixo, pensativo e todos estes adjetivos que significam estar indisposto para socializar com quem quer que seja. Perguntei-lhe o que houve e ele me respondeu que estava triste, pois, naquele dia, se completava exatamente um ano do assassinato de John Lennon. 

De fato, a maravilhosa coletânea Shaved Fish estava rolando na vitrola e tocava, naquele exato instante,  a faixa Woman Is The Nigger Of The Word. Sim, tudo bem, a mulher é mesmo "a nigrinha" do mundo, pode até ser, mas eu queria, naquele instante, era estar na casa ao lado, prestes a pedir em namoro aquela menina. "-Pode ir que eu ficarei aqui com a minha dor", disse o meu melhor amigo. Ah, a lealdade masculina... Perdi, conformado, a chance de beijar na boca para ouvir o lp "Imagine", o lp "Shaved Fish" e metade do "Double Fantasy" ao lado de um marmanjo.

A última foto de estúdio.
Um ano antes e eu ainda estava morando em Salvador. Havia sido extraditado pela minha mãe, em busca de um futuro melhor para mim. Morei o ano inteiro com meus tios em um bairro negro da cidade, o Garcia, descendo ladeira em patinete de papelão, pulando de muros em monturos de areia e descobrindo a soul music e o samba de roda. Naquele 9 de dezembro, ouvi, pela manhã, no rádio, a canção "(Just Like) Starting Over" e sai para comprar o compacto.

Encontrei o disco em uma loja da Barra e ouvi do vendedor que o cantor, John Lennon, havia morrido no dia anterior. Mais tarde, ao comer alguma coisa em uma lanchonete, acompanhei os detalhes pelo plantão da TV. Lennon fora assassinado por um fã, Mark Chapman, com cinco tiros à queima roupa.  Em seguida, fui até a casa de um primo, fã inconteste dos Beatles e dei-lhe a terrível notícia. Ele havia acabado de acordar e ainda não sabia.

A última foto vivo. Ao lado, seu assassino, que pedira um autógrafo.
A morte estúpida de John Lennon, às 11 da noite do dia 8 de dezembro de 1980, executado por um psicopata de 25 anos que se dizia seu fã, foi um dos fatos que racharam a música ao meio. Como absolutamente nada, nem mesmo as piores tragédias, são totalmente negativas, o assassinato do artista alterou definitivamente o rumo da música pop. O fenômeno da beatlemania foi reavivado e inúmeras bandas surgiram - ou simplificaram sua sonoridade - em busca da magia dos anos de merseybeat dos quatro de Liverpool. E tivemos mais alguns outros anos de diversão para nos consolar da morte do nosso ídolo juvenil.

Amanhã, dia 9, quarta-feira, às 2 da manhã para quem está no horário de verão e às uma para quem não está, o ciclo de 35 anos sem John Lennon, afinal, se completa. São três décadas e meia sem um artista combativo, inovador, polêmico e, principalmente, muito criativo. Lennon bem poderia, hoje, ser a mesma espécie de cantor de tolas canções de amor do tipo que acusou o parceiro McCartney de ser no início da década de 70. Mas nós, os fãs de música pop, fomos privados de saber o que teria feito John nestes anos todos por conta da loucura de um único ser humano. Algumas perdas são mesmo irreparáveis.

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