Pular para o conteúdo principal

Um disco por ano de vida: "Band On The Run" - Wings (1973) - Parte I

Na contramão do que muitos pensam a respeito da união de John Lennon e Yoko Ono, o sentimento que reinava entre os dois, em minha opinião, não passava de  mera obsessão. Obsessão mesmo, patologicamente falando. Lennon e Yoko maquiaram muito bem seu relacionamento doentio, para consumo da mídia e até mesmo deles próprios. Havia ali uma relação evidente de dominação, onde o dominado, claro, era Lennon.

Yoko Ono sugou quase todo o ímpeto criativo de Lennon como um canibal cozinha e come um prisioneiro. O resultado prático do encontro, ocorrido em 9 de novembro de 1966 pode ser sentido, na prática, já no álbum dos Beatles do ano seguinte, o incensado Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, gestado e parido quase que exclusivamente por Paul McCartney, frente à visível omissão de Lennon, mais interessado em bed-ins pela paz mundial.

O resultado da união de Lennon e Ono para a carreira do beatle se viu durante os anos seguintes: O fim da banda, os discos solos irregulares de Lennon e o auto-exílio que o músico experimentou entre 1976 e 1980, até a retomada de sua carreira, ainda assim em um disco partilhado com a esposa, o que acabou resultando, indiretamente, em sua morte prematura.

Em um exercício de imaginação,  vamos pensar que John Lennon, simplesmente, deixou os Beatles em 1968. "Pediu o boné", como dizemos, e foi viver a sua história de amor esquisita com Yoko Ono. Mas, para Lennon, tal opção nem era cogitável, afinal, fora ele que criara aquela banda, ainda na escola, com o nome de Quarrymen. Lennon havia convidado McCartney para fazer parte do grupo, que, por sua vez, trouxera George. Ringo, sabemos, teria substituído Pete Best à beira das gravações do primeiro compacto. Não seria ele, logo ele, John  Lennon, que abandonaria o barco.

Mas, imaginando que Lennon saíra dos Beatles naquele ano e a banda continuou na ativa pela década de 70 afora, sem dúvida, o disco "Band On The Run", de 1973, gravado por Paul McCartney e sua banda Wings, levaria a assinatura do, então, fab three. É, tranquilamente, o disco mais beatle de um ex-beatle. Claro, não seria o mesmo Band On The Run gravado por Mccartney. Certamente, seria engordado com uma ou duas faixas que sairiam originalmente no Living In The Material World, o disco de George Harrison daquele mesmo ano. Ou ainda, quem sabe, traria My Sweet Lord e outra qualquer do disco anterior, o antológico All things Must Pass, de 1971. Mas, essencialmente, ainda seria o Band On The Run.

O próprio Paul McCartney, manteve uma carreira bem errática entre o final dos Beatles e o lançamento deste disco. O álbum anterior, Red Rose Speedway, é considerado, inclusive por mim, como um dos mais fracos de sua carreira. Ainda assim, o lp obtivera boas vendagens por conta do single "My Love", estourado no mundo inteiro e de "Live And Let Die", sua contribuição para as não menos antológicas trilhas de filmes de James Bond.

Resolvido a gravar o disco em um lugar diferente do convencional, Paul e Linda McCartney escolheram a cidade de  Lagos, capital da Nigéria, para iniciar o trabalho. Tal opção viria a impactar fortemente a qualidade do áudio do lp, mais "fechado" e robusto, porém sem os recursos de que Paul e os Wings disporiam em um estúdio de grande porte localizado na Europa. Os problemas começaram quando, pouco antes da viagem, dois integrantes dos Wings, o guitarrista Henry McCullough e o baterista Denni Seiwell, deixaram a banda, porém, McCartney, Linda e o guitarrista Denny Laine decidiram continuar e gravar tudo sozinhos.


Em 1973, a Nigéria era governada por militares, após um bem sucedido golpe de estado. O país encontrava-se, praticamente, em guerra civil. Não bastasse, Paul e sua esposa chegaram a ser assaltados, tendo os bandidos levado até mesmo as fitas-demo do disco. Mas o ponto mais curioso de toda esta epopeia foi a visita do arrogante músico local Fela Kuti ao estúdio, visivelmente alterado, acusando McCartney de estar "roubando a cultura" do seu país. Paul teve que, pacientemente, tocar todas as músicas do disco para provar a Kuti que ele estava errado, ganhando o ex-beatle, assim, um novo "fella". Logo em seguida, McCartney sofre um princípio de enfarto, mas consegue concluir boa parte do disco ainda no país africano. Ao final, o disco acabou sendo completado nos ARC Studios, de Ginger Baker, baterista do Cream, em Londres e no AIR Studio, de George Martin.
(Continua...)

















Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...