Pular para o conteúdo principal

Filmoteca Básica: "O Milagre de Anne Sullivan" (1962)

Por Oqueane Jessant e Renato Jorge Araujo

Para falar do filme "O milagre de Anne Sullivan" ("The Miracle Worker", 1979, EUA) é preciso antes citar um outro filme, "Tommy",  a ópera-rock dirigida por Ken Russel, inspirada em um disco homônimo da banda inglesa The Who.  Produzido dez anos antes, em 1969, Tommy conta a história de Tommy Walker, um menino que se torna cego, surdo e, consequentemente, mudo,  após presenciar o assassinato do próprio pai. O garoto se cura jogando Pinball, uma espécie de fliperama, avô dos games atuais.

No musical, a fantasia faz  com que o garoto Tommy se torne cego, surdo e mudo e reverta sua condição plenamente. No filme de 1979, uma história real, a garota Hellen Keller se transforma em adulta superando as suas enormes limitações, graças ao auxílio de uma preceptora que a acompanhará pelo resto da vida. 


No filme “O Milagre de Anne Sullivan”, uma história baseada em fatos reais, a garota Hellen Keller, cega e surda, passa por um processo de transformação radical em seu desenvolvimento e na sua adaptação ao mundo a partir da chegada da sua preceptora Anne Sullivan. A dedicação e empenho da professora levaram Hellen a superar as limitações físicas e a reorganizar estruturas psíquicas, motoras e socioafetivas a partir da mediação pela linguagem.

Hellen  foi uma criança absolutamente normal até quase os dois anos de idade. Com 19 meses, provavelmente vítima de escarlatina ou meningite, passou a não ouvir e enxergar. Ainda assim conseguiu aprender um vocabulário de cerca de sessenta sinais até os 7 anos, quando conheceu a mulher que mudaria a direção de sua vida.

De uma espécie de "bicho de estimação" da família, a quem eram feitas todas as vontades, a garota verdadeiramente desabrochou para o mundo, dentro de suas possibilidades, a partir do contato com Anne Sullivan, quase cega, habituada a ensinar cegos e contratada para ensinar-lhe o mínimo para que a menina pudesse viver dignamente.


"O milagre de Anne Sullivan" é dirigido por Arthur Penn e é baseado em um livro biográfico escrito pela própria Hellen Keller chamado The Story of My Life (A história de minha vida). Conta a história da delicada relação de Hellen com a sua professora, Anne, que havia sido cega, tendo se recuperado parcialmente após nove cirurgias. Incapaz de interagir minimamente com o mundo a sua volta, Hellen Keller, através de Anne Sullivan, conseguiu não só se comunicar, como também se tornou a primeira cega e surda ase tornar bacharel, além de uma palestrante famosa, que viajou o mundo inteiro contando a sua história, tendo inclusive visitado o Brasil.


Como ensinar a uma criança cega e muda conceitos tão básicos como a água, a terra, o ar, ou abstratos como amor e tristeza? Quando Anne Sullivan chega à casa dos Keller para enfrentar o desafio, enfrenta o preconceito do pai de Helen que, se pergunta como uma cega poderia ensinar outra cega. Aos 7 anos, a menina Helen conhecia um repertório de cerca de 60 sinais, sendo tratada com extrema proteção pelos pais. O primeiro passo da professora Anne foi tirar a pequena Hellen do pedestal de superproteção em que seus pais a colocaram. Para isto, em um primeiro momento, torna-se uma verdadeira megera na vida da criança.


Para alcançar seus objetivos, Anne muda-se com Hellen para uma casa afastada, onde chega a algum progresso à duras penas. De volta à sua casa, para um jantar com a família da garota, Hellen a desafia à mesa e, para desespero da professora, seus pais decidem não continuar a experiência.

Ao logo do filme, sob uma analise mais apurada, percebe-se que Ellen passa por diferentes estágios em relação ao desenvolvimento das suas estruturas psíquicas, iniciando de um plano tátil-cinestésico, pura exploração motora, e paulatinamente vai construindo esquemas de representações mentais que lhes permitem evoluir a níveis mais elaborados de pensamento. O que corrobora com a teoria de Piaget, sobre a gênese do conhecimento no sujeito epistêmico. Tal teórico afirmou que os indivíduos na construção de suas representações do mundo passam por fases bem marcadas e definidas, a partir do desenvolvimento de esquemas (padrões de comportamento ou ações que se desenvolvem de forma organizada) que englobam processos de acomodação e assimilação e nesse sentido vai evoluindo do plano motor passando por alguns estágios até chegar ao nível das abstrações, forma mais evoluída do pensamento

Mas a persistência de Anne Sullivan fez com que Hellen não apenas se superasse como indivíduo, mas se tornasse uma ativista social renomada, além de escritora, jornalista e bacharel em filosofia. Um grande exemplo para gente que, ainda que lhe falte apenas um dedo, ache desnecessário estudar.

Porém, toda história tem dois lados, e há quem acuse Anne Sullivan de controlar Hellen Keller. Mesmo quando a jornalista casou-se, Anne SUlivan a acompanhou só tendo se separado por ocasião da sua morte em 1936. hellen Keller faleceria em 1968, tendo deixado diversos livros escritos e, pelo menos, uma frase célebre: See no Evil, hear no evil" (não veja nem ouça o mal). O mal talvez tenha mesmo vivivo perto demais de Keller por aqueles anos todos.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...