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A HISTÓRIA DA LP & OS COMPACTOS PARTE IV - BABY LOOK

Para o segundo ensaio daquele protótipo de banda, eu resolvi que, antes, faria  uma espécie de pré-ensaio entre Zé Mário, o candidato a guitarrista Stephen e eu. Não faço muita ideia da razão mas escolhi para ensaiar Raindrops Keep Falling On My Head de Burt Bacharach, que fora sucesso na voz de B J Thomas. Muito provavelmente, por conta da versão do trio Ben Folds Five, que eu ouvia muito naquela época. Com o inglês um tanto canhestro que marcaria suas futuras interpretações na língua de Shakespeare, Zé foi acompanhado de um baixista que não conseguia tocar seu instrumento e de um menino de 14 anos que surrava desesperadamente o violão. Acabou saindo alguma coisa parecida com o Chiclete Com Banana tentando tocar um  funk. Nada que valesse a pena ser registrado. E não foi.

N
o ensaio de fato, no domingo, foi a vez de Wilton Vieira desistir de seguir com a banda. Enfim, agora éramos eu, Stephen e Zé, um baixo e uma guitarra sem caixas amplificadas. Foi a minha vez de pular fora. E eu me sentia estranhamente aliviado de sair, não posso negar.

Mas Zé Mário não desistiu e o bichinho de ter banda já havia pego Stephen. Foi então que recrutaram outro menino de 14 anos - mas com um corpinho de 10 - chamado Josias Santiago. A aparência infantil de Josias renderia futuramente muitos holofotes para a LP mas, naquele momento, mais do que nunca, parecia que não havia lugar naquele combo para um quase quarentão como eu.

Josias tinha guitarra mas fora recrutado originalmente para tocar baixo. Só que o pequeno príncipe se recusara a assumir o posto e Stephen não teve outra opção a aceitar o cargo das quatro cordas, ainda que muito contrariado. Josias também tinha duas caixas e um microfone, além de um teclado no qual passou a emular uma bateria, controlando o artefato com os pés enquanto dedilhava seu instrumento. E foi assim que a banda, de fato, se formou. Depois de alguns ensaios no formato de trio, me pediram para participar e eu, a troco de diversão, sem levar a mínima fé naquele projeto, topei. No repertório, havia uma cover da banda gaúcha TNT chamada Identidade Zero,  a rockabilesca Rock Das Aranha, composição de Raul Seixas, O Advinhão de Baby Santiago, recriada pelo magazine nos anos 80, e "Last Nite" dos Strokes.

Eu havia sugerido "Agito e Uso" de Angela Ro-Ro.  Entreguei a Zé Mário gravações da versão em estilo rockabilly, originalmente gravada pela cantautora e, apenas como referência, uma outra versão bastante afetada  feita pelas Frenéticas. Zé, eternamente frenético que é,  gostou mais da segunda versão e passamos a tocar, de fato, a  cover da cover feita pelo  quinteto feminino. Também sugeri - e foram aceitas -  as covers de "Você Morreu para Mim" dos Fevers e "Secret Agent Man" de Johnny Rivers. Da cover dos Strokes eu fiz uma nova melodia e letra e foi assim que surgiu "Números", que viria ser a primeira canção autoral da nova banda.

Alguns ensaios adiante, eu já era um ""músico convidado". Não queria fazer parte oficialmente do grupo mas, na prática, já era um integrante. Passei a compor canções no estilo rockabilly para o conjunto. Foi assim que surgiu "Baby Look", "Pior Sem Ela", "Segundo" e "Solução Oral".

"Baby Look" foi a segunda canção escrita por mim para a futura LP. Foi feita a partir da observação de como as mães, a  do baixista - então minha esposa - e a do vocalista - já uma senhorinha ainda bela mas recatada e do lar -, insistiam em usar roupas, a princípio, inapropriadas para a idade delas e de como isto despertava o interesse nada inocente dos amigos de ambos. A letra de Baby Look seria até objeto de estudo em uma aula de psicologia, proferida em uma faculdade por um professor fã da banda, alguns anos depois.

Já "Segundo" eu fiz depois de ouvir de um amigo que ele teria sido o segundo homem na vida da sua mulher. Lembrei que eu mesmo já havia sido o "segundo" algumas vezes nos relatos das ex-namoradas e o quanto eu já tinha ouvido esse caô feminino perfeito da boca de alguns amigos. Afinal, se as mulheres não podiam usar mais o argumento de que ainda eram virgens, só lhes restava o argumento infalível do felizardo ser o  segundo homem em suas vidas. As meninas de todas as idades adoraram a letra. Algumas me apresentavam nas festas às outras como "o compositor de Segundo". Hoje, talvez me chamassem de misógino.

"Pior Sem Ela" eu fiz depois de ouvir, através de uma ligação acidental, uma conversa  entre a minha então esposa e minha mãe onde eu recebia toda a sorte de adjetivos pouco graciosos. Por pura raiva citei na letra uma ex que a então atual não gostava mas, no final, acabei batizando a canção como "Pior Sem Ela" para a barra não sujar de verdade em casa. Na verdade, "Pior Sem Ela" era apenas um plágio descarado de "I Got A Woman" da mesma forma que "Solução Oral", uma canção sobre sexo oral, - quem poderia supor, não é mesmo? - não passava de um plágio marcelonoviano da banda alemã Spider Murphy Gang.

Já estava entusiasmado e até acreditando na viabilidade do projeto daquela banda tosca de rockabilly quando, para completa surpresa de todos nós, a mente criminosa pro trás de tudo resolve desistir da empreitada. Um bilhete curto e já não há nada. Para nossa absoluta surpresa, Zé Mário estava fora da banda. Alice não escrevia boas cartas de amor. Muito menos Zé.

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