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PLUG LASER: A HISTÓRIA NÃO CONTADA - PARTE VIII

Apesar de não parecer, por algumas histórias que estou relatando aqui, o clima na Plug Laser era de muito respeito e profissionalismo quando era necessário haver respeito e profissionalismo mas também de muita descontração em boa parte do tempo. É bom lembrar que tudo isto - as brincadeiras e as gozações - aconteciam nas horas em que não havia cliente na loja. O trabalho em si era levado muito a sério. Nenhum cliente jamais sofreu qualquer tipo de comentário galhofeiro sem que soubesse que estava sendo gozado. E até mesmo entrasse na gozação, o que costumava acontecer 100% das vezes.

Os apelidos jocosos eram dados uns  aos outros entre os funcionários em tom de gozação e ninguém que trabalhava na loja costumava se zangar com isto. Eram apelidos que flertavam com o bullying explícito mas ninguém ali estava preocupado com outra coisa além de zoar de volta o colega de trabalho.

Como não sei  se os ex-funcionários da loja querem ter seus apelidos revelados, vou apenas listar algumas das diversa alcunhas pelas quais uns chamavam os outros. Havia o Tartaruga, ou Turtle, ou Touché,  graças a um personagem de comercial de cerveja da época e ao personagem de Hanna Barbera. Outro lembrava Leonardo Pareja, o segundo bandido a colocar Feira de Santana no mapa e era chamado carinhosamente de Leozinho. Quando ele se exasperava com alguém da loja , era comum que o alvo da exasperação  levantasse as mãos ao alto, dissesse "calma, Pareja!" e tudo acabava em risos.

Inclusive, a moça que trabalhava no escritório vizinho à loja, por coincidência, lembrava a menina sequestrada pelo bandido goiano e eu tive a brilhante ideia de fazer um comercial aproveitando o frescor do fato. Em 1995, Leonardo Pareja e um comparsa fugiram de Salvador com uma jovem a quem teriam sequestrado e foram parar em Feira de Santana. O comparsa se entregou logo mas Pareja manteve a moça como refém por dias seguidos em um hotel da cidade. Sua fuga de Feira de Santana foi uma verdadeira novela transmitida muitas vezes ao vivo pelo Jornal Nacional, na Globo. A ideia do comercial era alguém perguntar ao nosso Pareja local - que estaria com um compacto de vinil apontado para a cabeça da menina -  o que ele queria para soltar a moça. Ele diria que queria um CD da Plug Laser. Era para ser uma propaganda tosca de propósito mas, graças aos deuses, a ideia, ainda assim,  não foi adiante.

Tinha também o Michael, que era chamado assim por ser fã de Michael Jackson, mas que também era chamado de Latoya nos momentos de extremo deboche. Já um funcionário mais vaidoso era o "Quase Lindo" ou "Zé Bonitinho" por, volta e meia, retirar um pente do bolso para arrumar as madeixas.

O funcionário mais velho era o Gerentão e eu mesmo era chamado de Patrãozim, daquele jeito estereotipado que os escravos chamavam seus senhores, quando eu reclamava de alguma coisa. Isso  quando não faziam o gesto de chicotada acompanhado de uma imitação de estalido. Outro colaborador era acusado injustamente de ser meu puxa-saco e era chamado de Capachão, o personagem da TV Colosso. Porém, a maior vítima era um vendedor que tinha uma verruga na cabeça e era bastante falador. Era comum em seus momentos de entusiasmado falatório que alguém colocasse o dedo na verruga e dissesse:
- Pelo amor de Deus, é aqui que te desliga?

Haviam também as gírias exclusivas da loja. Um vendedor gostava de falar que alguma coisa que fosse muito boa era "intestinada". Para outro, uma implicância com alguma coisa era uma "filipeta". Um terceiro criou a expressão "intestinou a filipeta" com a variação "filipeta intestinada". Tais termos se tornaram o falar cotidiano da Plug Laser e haviam até clientes que aderiam ao nosso peculiar linguajar. Quando alguém fazia algo que merecia elogio, dizia-se que "moralizou". E um cliente, de tanto ouvir  e entender errado as gírias da loja, criou as variações "monalizou" e "chilipeta" que, claro, passamos a usar também.

Algumas funcionárias passaram pela Plug Laser, mas nunca se adequaram  e acabaram ficando por pouco tempo. Houve um candidato a funcionário assumidamente homossexual que recusei, embora achasse que seria uma ótima aquisição para o quadro de colaboradores  pela cultura musical que tinha. Ficou evidente que ele não escaparia das troças e preferi, por precaução, mesmo lamentando muito, não o contratar.

Alguns clientes eram tão habituais em suas visitas diárias que acabavam entrando nas brincadeiras. Um deles, de pele bem branca, certo dia,  chegou cantarolando uma música de Zizi Possi que não lembrava o nome. Era Asa Morena.  Enquanto um dos vendedores,  de pele morena, tirava a nota do CD vendido, teve o extremo azar de cantarolar uma parte de Asa Branca como se estivesse saboreando alguma coisa:

- Iham, Iham. Inham, inham, inham Inham, inham, iinhå...

Como dito, o cliente era muito branco e o vendedor pardo e alguém percebeu a semelhança entre os nomes das músicas e afirmou que havia "rolado um clima" entre a Asa Branca e a Asa Morena. Quando o cliente entrava na loja, dali em diante, ele já chegava cantarolando:
- Quando olhei a terra ardendo.. 
E perguntava pelo vendedor.

E sempre alguém dizia que o que iria arder dali a pouco não era bem a terra.

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