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GWAR - ULTRAJES A GO-GO.

Acredite se quiser. Depois dos Sex Pistols, nenhuma outra banda de rock conseguiu ser tão ultrajante e, ao mesmo tempo, tão divertida. O GWAR, a banda/trupe teatral americana, composta de músicos, cineastas e freaks fantasiados de espuma, foi a mais infame e insana formação do rock ianque. A maioria dos brasileiros, principalmente aqueles que não conhecem a fundo a língua de Obama, desconhece o impacto que esta banda causou, e ainda causa, na conservadora sociedade americana. Enquanto Marilyn Manson é vendido pelo próprio "sistema" como opositor, o GWAR é mantido, ou tentam manter, em uma espécie de "limbo" onde todos - a indústria de entretenimento, o governo, religiosos - insistem em fingir que o grupo simplesmente não existe.

O GWAR, a despeito de toda a fantasia em espuma e látex e mise-en-scéne, é um grupo antenado com o mundo à sua volta e seu ex-líder, o anárquico músico Dave Brockie (sim, ele mesmo, do Dave Brockie Experience. Vai dizer que você não sabia?) era uma espécie de Marcelo Nova ianque, sem papas na língua e que não perdoava absolutamente ninguém. Nenhum tema era chocante demais para a banda, que já escreveu sobre pedofilia, drogas e homossexualismo com virulência, ironia e muito bom humor. Brockie viria a falecer de uma overdose de heroína em 2014.

Seus discos ficaram de fora do acordo de distribuição entre a Metal Blade, sua gravadora, e a major EMI e permaneceram sendo vendidos quase que exclusivamente nos shows da banda e em lojas alternativas. Seus vídeos passam longe das grandes redes e se restringem às madrugadas da MTV e a emissoras especializadas em rock non-mainstream. Por todos estes motivos, o lançamento no Brasil do DVD "GWARchives", pela Sum Records, com todos os vídeos produzidos pelo grupo até o seu último disco até 2002, é um feito a ter sido comemorado. E muito.

O DVD abre com "Immortal Corrupter", um poderosíssimo trash-metal feito especialmente para esta coletânea, onde George W. Bush é estripado e, em seguida, tem seu cérebro comido pelo vocalista Oderus Urungus. Enquanto isso, Osama Bin Laden ao lado, é esfolado vivo. Na sequencia, os dois são crucificados e entregues a um monstro, para serem comidos. Tudo com muito bom-gosto e muita sutileza. Vá acreditando...

"Nitro Burning Funny Bong", um punk-rock de garagem, não parece, mas é um libelo anti-drogas. Bem ao gosto do GWAR, é verdade. Enquanto o vocalista Urungus informa que o que estamos ouvindo é mais uma "estúpida canção sobre drogas", o ouvinte é aconselhado a experimentar uma tal de "Funny Bong" e logo em seguida...morrer! As cenas quase escondidas onde Symenstra Hymen (A GWAR Woman) cheira fileiras de cocaína batidas em uma capa de CD e Oderus fuma crack em um cachimbo gigantesco enquanto masturba seu pênis gigante, são suficientes para deixar qualquer pai americano de cabelo arrepiado.

"Fucking An Animal" é um vídeo simplesmente hilário. Os integrantes do GWAR invadem uma fazenda onde prendem os animais e praticam toda sorte de barbaridades, que vão do estupro ao sadismo. Nenhum animal, porém, sofreu qualquer dano. Os "bichinhos", no caso, eram pessoas (muito mal) fantasiadas. "Don't Need A Man" é um surpreendente standard de jazz, onde Symenstra, a cantora bissexta do combo, afirma não precisar de homens e estar procurando "uma igual para capturar meu coração". Além de provar a competência musical do grupo, ficamos sabendo que ela canta. E muito bem.

"The Road Behind" trata das bandas multimilionárias que se envolvem com drogas. No vídeo, Oderus aparece (mascarado) com uma bandana na cabeça, imitando a dancinha famosa de Axl Rose. O grande momento do DVD é o vídeo de "Have You Seen Me?". As caixas de leite nos Estados Unidos costumam trazer fotos de crianças desaparecidas com a frase "Have You Seen Me?" (Você me viu?). A banda brinca com a acusação frequente das mães americanas de que o GWAR corrompe a juventude. No vídeo, eles aparecem afirmando que somem mesmo com as crianças, enquanto distribuem cachimbos de crack como brinde em um improvável cereal GWAR. "Saddam-a-Go-Go", uma provocação ao ex-presidente Bush pai em uma base funk-metal que lembra Red Hot Chili Peppers, dispensa comentários.

A música é sempre pesada - algumas vezes pesada demais - mas sempre muito criativa. Vai do trash-metal ao punk-rock, mas tem muito de surf-music, jazz, cabaret e até mesmo disco-music. Nenhuma instituição é tão séria assim para não ser destruída pelo GWAR. Nem mesmo a adoração dos fãs. Em "Sick Of You" (de saco cheio de vocês), eles, os fãs são mandados literalmente à merda. Vamos todos. A banda continua na ativa, sem o líder Brockie. Porém, sem sua cabeça pensante, o grupo cada vez mais se parece com um monstro. Um monstro sem cabeça.




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