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EDUCAÇÃO ARTÍSTICA: OS CAMALEÕES DA MÚSICA POP

Entre a arte e o dinheiro, nem sempre nossos "artistas" preferiram a primeira opção. Uma carreira em baixa aqui, uma necessidade de grana ali e muitos optaram por aproveitar alguma onda momentânea para arrecadar uns trocados e ainda voltar à tona no concorrido meio musical. Muitos eram ícones de um determinado estilo que, ao passar a onda, não quiseram soltar o prato e arriscaram tudo, a carreira, a credibilidade, para surfar em outra onda, nem sempre similar àquela a qual era representante. Os resultados, às vezes, não eram os esperados e muitas vezes, o truque era facilmente reconhecido e o espertalhão ficava sem nada, nem o reconhecimento do novo público nem o respeito do público anterior.

Em muitos casos, como nos discos psicodélicos dos Beatles e dos Stones, a carona se justificava pois o que seria oportunismo era apenas a continuidade natural de suas carreiras. Afinal, geralmente, eles mesmos eram influências dos que surgiram no estilo que momentaneamente abraçavam. Em outros, ficava claro a esperteza, o oportunismo, a manobra para retornar ao sucesso. Alguns casos são exemplares:


Os Bee Gees surgiram no final da década de 60, e nem mesmo eram trés. Os quatro irmãos Gibb vieram da Austrália diretamente para a Inglaterra e seus discos desta época eram surpreendentemente bons, mesmo com algumas babas insuportáveis que chegavam às paradas de sucesso. Mas veio a década de 70 e o grupo viu seu sucesso desaparecer. Quando Robert Stigwood foi convidado a produzir a trilha sonora de um filme sobre a febre da disco-music, já no finalzinho da onda, ele não pensou duas vezes e chamou seus pupilos para compor as músicas da película. "Saturday Night Fever" se tornou a trilha sonora mais vendida da história do cinema e os Bee Gees ficaram infinitamente mais famosos e conhecidos do que antes. Neste caso, é verdade, o talento dos músicos e a qualidade das canções eram incontestáveis.

O que não era o caso do rocker americano Roy OrbisonMr. Orbison já havia dado uma guinada radical em sua carreira, ainda nos anos 60, por conta do sucesso que o grupo Everly Brothers fez com sua música Only The Lonely. Com um repertório de rocks e rockabillies que definitivamente não combinava com sua voz aguda, o artista nunca alcançou muito sucesso. Após compor a já citada Only The Lonely, Orbison descobriu o seu verdadeiro talento: Criar baladas românticas e inventar o pop-rock, com  músicas maravilhosas como Oh! Pretty Woman.


Mas a década de 50 passou e o ostracismo chegou para a maioria dos artistas da época. Eis que em 79, Orbison assina um contrato com a Warner para um disco onde a proposta, pelo menos oficialmente, era renovar sua carreira. Colocaram o velho rocker em uma roupa de vinil esquisita e puseram o homem pra cantar músicas horrendas em arranjos disco extremamente bregas. Certamente acreditaram que, por suas belas músicas dos anos 60 serem entupidas de violinos, Roy se daria bem com os violinos das breguíssimas canções disco em voga na época. Desastre total. E ainda, para que Orbison se remexesse no túmulo, tiveram a infeliz ideia de relançar o disco recentemente. Mas, Roy Orbison não seria o único a se dar mal surfando na onda disco.


Hoje seria até natural, mas nos anos 70, Elton John era um ícone do rock. Daí dá pra imaginar o porquê de um disco entupido de canções dançantes, encharcadas de sintetizadores e sem intervalo entre as faixas, destoar tanto do que um fã do artista poderia esperar de um disco da titia.

Quando Victim Of Love saiu, em 79, Elton estava tentando se recuperar de uma queda vertiginosa em sua carreira. Estigmatizado como uma espécie de roqueiro baladista ultrapassado, o músico laçou um disco onde tentava desesperadamente ser e soar moderno. Apesar do resultado não ser de todo ruim, o golpe foi sentido e quase ninguém comprou o disco. "Victim Of Love", um álbum em que Elton John não compôs nenhuma das músicas, foi o último disco do artista a ser relançado em CD e mesmo assim, isso só ocorreu depois que algumas canções do álbum foram incluídas quase que acidentalmente em uma série de CDs sobre a era disco. Mas, o tempo das discotecas também passaria e, com a chegada da new wave muita gente trocaria de lado.



Em 81, já não existia mais disco music. O grupo vocal pré-fabricado Village People providenciou uma mudança radical: Após perder o principal vocalista e mentor, vestiram-se de neo-românticos e lançaram um disco patético, cheio de rocks modernosos de péssima qualidade. Até mesmo um inacreditável punk rock chamado Food Fight faz parte do repertório deste ainda mais inacreditável LP.  Salva-se apenas a excelente "Do You Wanna Spend The Night", não por acaso, uma canção disco muito parecida com os sucessos anteriores do sexteto fantasiado. Mas, no Brasil, um artista ultrapassaria todos os limites.


No início da década de 70, Robertinho de Recife sairia de sua terra natal para tentar a sorte no Rio de Janeiro. Guitarrista de talento extraordinário, gravou com artistas de sucesso como músico de estúdio e lançou discos instrumentais de extrema qualidade, onde misturava frevo e rock com MPB. Como nunca alcançou o merecido sucesso, Robertinho aproveitou a onda new wave, lançando um excelente EP chamado Satisfação, acompanhado da então esposa Emilinha. Noves fora o fato do músico ser um cantor sofrível, o disco continha pelo menos dois clássicos, "Seja o meu céu" e "O Elefante", esta última cantada por sua esposa. 

Como a estratégia não deu o resultado esperado, Robertinho do Recife partiu para a música brega pura e simples e, em 83, as rádios foram assaltadas por uma excelente composição sua com ninguém menos que o mano Caetano:  A inesquecível "Baby Doll de Nylon". Mas o sucesso, este traiçoeiro, teimava em não chegar para o guitarrista do Recife. Eis que em 85, com o Rock In Rio batendo às portas, os "metaleiros" alcançaram, graças à Rede Globo, uma enorme notoriedade no país inteiro. Robertinho aparece fantasiado de headbanger, anunciando que sempre quis fazer heavy-metal. O pior é que os metaleiros acreditaram e compraram os dois discos que o músico lançou, entupidos de clichês do estilo.

Robertinho ainda tentaria lançar uma banda de metal farofa, o Yahoo, e faria um disco de guitarrista, na linha dos virtuosos Steve Vai e Joe Satriani, que, adivinhem, estavam na moda em 89, quando o disco foi lançado. Quando finalmente desistiu de correr atrás do sucesso, Robertinho do Recife se tornou um produtor bem sucedido de MPB, mas deixou claro que, em termos de músicos camaleônicos, temos muito a ensinar aos gringos.
(Publicado originalmente em 2004)







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