Pular para o conteúdo principal

A LINGUA BRASILEIRA E O ACORDO ORTOGRÁFICO.

Falamos “brasileiro” aqui no Brasil, não falamos português.  É exatamente assim que os portugueses pensam sobre nós e é justamente assim que deveríamos pensar sobre nós mesmos.   Amamos Portugal mas Portugal não nos ama, assim como odiamos Portugal mas Portugal não nos odeia.  E assim vamos continuando a nossa vidinha -  nós aqui e eles lá -   do outro lado do mundo, separados por um oceano atlântico de diferenças.

Minhas avós eram netas de portugueses,  o que não me qualifica para absolutamente nada em termos de cidadania portuguesa.  Também não a quero, ao menos por descendência.  Posso vir até a residir em Portugal um dia, pois amo realmente o país, mas tenho a  consciência e a vontade de que nunca deixarei de ser o que sou, um brasileiro.  E, se um dia vir a morar em Portugal, ainda assim me considerarei um brasileiro residente em Portugal, jamais um cidadão português.

Não estou aqui afirmando que o  povo brasileiro seria  melhor que o povo português, ou, ainda, o contrário.  No fundo somos frutos da mesma mistura de raças – para quem acredita em raças -  ou de etnias.  Seremos sempre  tão parecidos que insistiremos eternamente em nos achar tão diferentes.

Minha avó chama bunda de cu,  privada de cintina e outras apropriações do português que seus avós aprenderam. Então, a minha experiência e contato com o português de Portugal  tem muito mais relação com uma referência afetiva do que  com uma referência ortográfica.  Assim, quando falo sobre um grande músico português chamado António Variações,  uso o acento agudo no ó, e continuarei usando, independente de acordos ortográficos oportunistas.

O que estão tentando fazer com a língua portuguesa em Portugal é muito próximo  de um crime.  E não sou nenhum tipo de tradicionalista linguístico, muito ao contrário.  Mas nada,  absolutamente nada,  justifica que,  em Portugal,  passem a escrever  “receção” em vez de “recepção”,  com a desculpa de uma aproximação com o português falado no Brasil.  Até porque,  qualquer brasileiro minimamente letrado sabe, falamos e escrevemos,  e continuaremos grafando assim a palavra,  “recepção”.

Outro exemplo para lá de lamentável é o da palavra “suntuoso”.  Em português de Portugal escreve-se “sumptuoso”.  Com a retirada da consoante, passam a escrever “sumtuoso”,  que,  qualquer garoto português ou brasileiro sabe,  fere uma das regras mais elementares  da língua portuguesa.

Olha, Portugal é um país realmente muito lindo,  uma referência da cultura europeia para nós, brasileiros,  mas Portugal é Portugal e, desde 1822,  somos países cada vez  mais diferentes um do outro.   Quem me conhece sabe, sou um defensor  aguerrido da cultura portuguesa no Brasil. Acho profundamente injusta,  para o lado de Portugal,  a “balança cultural”  que nos mede, mas esta tentativa de aproximação linguística entre os dois países só irá acabar nos afastando ainda mais.

Até porque não há, de verdade, um acordo.  Acordo ortográfico é quando as diversas nações envolvidas resolvem que,  dali em diante, escreverão da mesma forma.  E, nem de longe  é o que está acontecendo.  Portugal continuará escrevendo de um jeito,  diga-se de passagem, agora bizarro,  e nós de outro.  E as nações africanas... Bem, quem se importa, do lado de cá ou de lá, com as nações africanas?  Elas que se virem. È assim que se pensa, na verdade e sem hipocrisias.

Não me sinto automaticamente português em Portugal e gostaria que nenhum português  se sentisse automaticamente brasileiro em meu país.  A preservação desta identidade cultural pode soar um tanto dura,  mas é fundamental para que os dois povos convivam bem entre si.

E,  camaradas portugueses,  lutem pela queda deste aborto ortográfico que impuseram a vocês,  mas nunca se esqueçam que,  nós,  os brasileiros,  não temos culpa alguma das decisões de linguistas do seu país.   E lembrem-se  que não escolhemos falar português,  o português é que nos escolheu para ser falado.  Somos agradecidos pela cessão da língua mas não seremos jamais os bodes expiatórios de vossas mazelas gramáticas.  Não falamos nem escrevemos como estão tentando impor a vocês, e, se nos fosse imposto, nunca iríamos escrever assim.  Da mesma forma que vocês agora se rebelam.

Já nos é difícil aceitar uma ideia sem acento, não nos enfiem goela adentro um assento sem ideias.  Estamos ao lado de vocês, lembrem-se sempre disso. O inimigo está entre vós, não cá entre nós.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...