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O DIA DOS NAMORADOS.

     Hoje, excepcionalmente, o texto diário do blog Impaciente e Indeciso não foi escrito por mim. Tive a honra de ser homenageado pela amiga Ana Nejar, jornalista gaúcha, que passou boa parte da sua infância e adolescência morando em Feira de Santana e veio a ser, senão a primeira namorada, o primeiro amor de verdade que vim a ter.

      Impaciente e Indeciso é um blog autoral, íntimo e pessoal. Portanto, ter uma escritora convidada é algo que não se repetirá muitas vezes. Muito obrigado, Ana, por tudo e pelas palavras carinhosas dedicadas a mim. Espero poder sempre ser digno da sua amizade e do seu carinho. Um dia eu espero escrever tão bem assim. Bem, vamos ao texto:

"Escrevia as cartas à mão. Desenhava as folhas depois de deixar o rascunho amontoado em bolas que em seguida seriam esmigalhadas para evitar que os irmãos vissem. Eram umas quatro páginas de papel almaço, frente e verso, uma delicadeza que só quem ama não dispensa.

O primeiro amor. Quando ouço falar no Dia dos Namora- dos não atrelo às lojas cheias, campanhas de shoppings, motéis e restaurantes lotados, logo me vem a recordação dos meus 15 anos.

A menina estrábica e feiosa que cursava o primeiro ano do segundo grau do Pedrinho que, não mais que de repente, começou a trocar cartas com o amigo do irmão, que conhecera na Bahia. O menino músico que iniciava o curso de Jornalismo, tinha 18 anos, uma bicicleta, um violão e uma banda chamada Macacos Urbanos. O menino que tinha o dom de usar boas palavras, e eu ouvia minha mãe repetir: - Ana, Ana, papel aceita tudo.

Mas quem disse que eu dava ouvidos aos conselhos maternos? A cada terça e sexta, eram os dias em que as cartas chegavam, eu parava em frente à porta, esperando a entrada do envelope gorducho que mal passava. Eu abria com fôlego de um triatleta após a prova. O coração disparado em mais uma centena de assuntos diversos, basicamente música e a escola. E o eu te amo grafado dentro do espaço reservado ao CEP (sim, as cidades tinham apenas 5 números de CEP nos anos 80), uma estrofe de uma canção, um beijo e toda eternidade cabiam naquelas folhas.

Foram quase dois anos de correio. Devolvi as cartas quando decidimos que não éramos feitos um para o outro, que a distância não era salutar, quando disse sem convicção que achava que éramos melhores no papel do que ao vivo.

SIm, ficamos juntos no verão de 86, vimos a Chalenger explodir e choramos a 3 mil quilômetros de distância ouvindo Back On The Chain Gang, já que Pretenders era uma das nossas bandas favoritas (e continua sendo). Esqueci muitas coisas que fizemos naquele verão juntos. Outras seguem bem vivas na memória. Os passeios pela Independência, da Imcosul, Mena e JH Santos, O xis repartido no Tacobel, na Presidente Roosevelt, os banhos que ele tornava de madrugada para dormir nos 40 graus do solo gaúcho.

O menino que me incentivou a escrever, a gostar mais de música, a ser eu mesma num tempo em que o bullying corria solto na sala de aula... Por que eu o deixei? Por que acabou o amor ou por que eu não tive coragem de aceitar uma mudança de endereço, de casa, de Estado? Por que eu era muito jovem? Não, talvez nenhuma dessas indagações sirva

O menino teve um filho no dia do meu aniversário, casou-se duas vezes e agora está em uma relação consolidada e, felizmente, somos grandes amigos graças às redes sociais. Talvez ai resida a alegria de viver um grande amor: alguns nos legam filhos, outros bens, os melhores nos enchem de amizade. Uma amizade que extrapola a distância, o tempo e fica de mãos dadas com o amor".

Obrigado, Ana. Eu só vou fiz mesmo duas pequenas correções, devidamente autorizadas pela autora. Uma, quem quiser descobrir que compare as duas versões do texto. A outra é que eu só casei duas vezes. O que meus 8 leitores irão pensar de mim se acharem que eu sou uma espécie de Fábio Jr. das letras? Hoje, em 2021, quando reviso estes textos do blog, fico feliz em perceber que, passados cinco anos, nos tornamos ainda mais amigos. Um enorme beijo em seu coração.

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