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O LENHADOR.

Mulher,

Escrevo estas mal traçadas linhas fazendo questão de inicia-las com um termo tão  antiquado quanto “mal traçadas linhas” para que você perceba o quanto eu posso ser perfeito em minha imperfeição. Não sou, de forma alguma, o príncipe encantado que você gostaria  que eu fosse.

"O lenhador", de Hodler.
Não sou e, diga-se de passagem, não quero e nem pretendo ser. Aliás, eu deveria te dizer que você não precisa de um príncipe encantado. E não precisa porque, simplesmente, você não é nenhuma princesa. Só as princesas, as absolutamente perfeitas, as que não defecam nem flatulam, as que não precisam de um banho ao final do dia, as que jamais menstruam, as que não acordam com a cara amassada de travesseiro babado, estas sim, só estas, necessitam de um príncipe.

Eu também cometo todos estes atos naturais, o que me desabilita automaticamente a qualquer tipo de majestade encantada. E ainda tenho um bônus que é o de, definitivamente, não querer sê-lo. Também não sou, e novamente nem pretendo ser, algum tipo de lobo mau. Não estou aqui para te tratar como lixo, passar na tua cara todas as mulheres do mundo, te humilhar e te fazer pensar que é insignificante em minha vida, porque, afinal, você não é. Se o que você procura em mim é um lobo mau, sugiro sair em busca de um novo animal de estimação.

Espero que um dia você se dê conta que eu sou mesmo um lenhador. Não passo de um trabalhador braçal, comum, um tanto bruto, mas sensível o suficiente para atender, dentro do humanamente possível, seus desejos e suas necessidades sem esquecer de mim mesmo e da minha missão. Enfim, se você procura alguém que possa te socorrer quando você precisar, que possa te completar e ser completado por você, bem, este sou eu.

Você teria sido bem mais feliz em seus relacionamentos anteriores se, logo cedo, tivesse desistido de procurar o príncipe encantado e não aceitasse tão docilmente se entregar ao lobo mau. Porque me assusta a facilidade com que você transita de um polo a outro na sua eterna busca de uma cara metade. Queres um homem perfeito e aceita o imperfeito, com a desculpa de que homens bons - lenhadores como eu -  não existem. Mas, como não existem se eu estou bem aqui?

Sim, eu me acho um homem bom. Sou bom justamente por não ser ótimo. Quero viver eternamente contigo, mas eternamente só enquanto durar. E se você quiser mesmo que dure, terá que me ajudar a partir a lenha. Porque se eu não sou o tipo do homem que irá te dar todos os luxos do mundo, não serei eu também a me aproveitar das suas fraquezas. Quero somar a mim mesmo contigo, não subtrair. Não quero nos dividir, mas multiplicar.

Saiba logo, não sou o amante latino que te satisfará na cama todas as vezes em que você quiser ser satisfeita. Mas, pensa bem, você também não é a messalina disposta a me dar prazer intenso em todas as horas que eu sentir vontade. Percebes o que eu quero dizer? Não somos príncipes e princesas, não precisamos ser bichos famintos 24 horas por dia. Mas podemos ser o que quisermos, quando quisermos, lobos ou príncipes, lobas ou princesas, pois somos lenhadores e lenhadoras.

Posso te surpreender com flores, você pode me agradar com aquele meu prato favorito. Posso chegar em casa,  te jogar na cama e te devorar sem te machucar, ou até mesmo machucar um pouco, se quiser um tom de cinza qualquer. Posso ser surpreendido com teu impulso noturno e ter que acordar de um sonho para entrar em outro, repleto de sensações que só a libido a mil poderia me proporcionar. Mas o resto do tempo seremos lenhadores cortando a madeira que edificará a nossa vida a dois. E eu preciso de alguém assim, que seja companheira, que seja minha consorte, minha esposa, minha mulher. E você, você não precisa de príncipes e pode dispensar de vez o lobo mau. Como dizia o Erasmo, você não precisa de mais nada além de um homem para chamar de seu. Você precisa mesmo é de um lenhador como eu.

Do seu,
                                                               Homem.


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