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O GRITO QUE SAI DOS SUBÚRBIOS.

O ano era 1982 e a Blitz ainda era uma ideia na cabeça de Evandro Mesquita quando Fábio Sampaio, proprietário de um cafofo com ares de loja alternativa chamado Punk Rock Discos, na famosa Galeria do Rock paulista, lançou um dos primeiros discos do que viria a ser o "rock nacional dos anos 80". 

Não era exatamente um disco entupido de sintetizadores emulando um roquinho meio vagabundo, de letras paupérrimas, como viria a se tornar comum na cena roqueira brasileira, nos anos seguintes.  Muito pelo contrário, os defeitos levariam Fábio a deixar claro na capa do disco: "Gravação sem qualidade".  Como ele estava enganado.

Originalmente, um disco de vinil de 12 faixas, "Grito Suburbano" foi anabolizado em sua versão digital com mais 22 sons, todos ao vivo,  gravados na festa de lançamento do álbum,  em um longínquo São João de 82.  A gravação original de estúdio reúne os grupos Cólera, Inocentes e Olho Seco,  uma espécie de punkíssima trindade, que provavelmente nunca imaginariam que estavam fazendo história com aquelas gravações toscas mas cheias de energia e sinceridade.

       
Falar da qualidade técnica, ou da falta de qualidade técnica do disco, é quase como ser redundante.  A bateria que, exceto pelos estridentes pratos,  é apenas uma sugestão. O baixo,  distorcido e sempre levemente desafinado, e a famosa guitarra de serra elétrica, recheado pelos vocais gritados de Redson, Clemente e do próprio Fábio,  são justamente a marca registrada deste disco.  Fosse bem gravado,  Grito Suburbano perderia toda a sua autenticidade e legitimidade. Ficaram alguns clássicos: "Garotos do Subúrbio" e "Pânico em SP" (Inocentes), "Subúrbio Geral" (Cólera) e "Sinto"(Olho Seco).

A segunda parte do CD, com as gravações ao vivo do show de lançamento do disco,  reúne excertos das apresentações das mesmas bandas que tocam no vinil original e é nesta parte que está o mais importante, antropologicamente falando. Canções quase singelas, como "Em Setembro" (Cólera), "Desequilíbrio"(Inocentes) e "Castidade"(Olho Seco) não poderiam passar sem um registro, mesmo que um tanto tosco. 

Enfim, "Grito Suburbano" é um retrato fiel do que foi o movimento punk paulista, um dos raros momentos em que a música "jovem" soou absolutamente sincera, crua e antenada com seu público. It's only punk rock e com certeza, passados 33 anos, ainda teima em continuar vivo e chutando.  It's really not dead.  


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