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O ROCK DO CAMALEÃO - AS BANDAS QUE MUDARAM DE ESTILO (PARTE I).

Imaginem um grupo de música negra, bastante famoso, como por exemplo, o Kool & The Gang,  que resolve mudar a direção musical  sei lá, para a bossa-nova ou para o reggae. Ou um grupo de reggae se transmutando, quem sabe,  em uma banda de funk. Pois é, é quase impossível que algo assim aconteça. A não ser que a banda em questão seja uma banda de rock.  Aí, tudo é possível e só o céu é o limite para tanta indecisão. Sou gótico ou sou headbanger? Punk ou bossa-novista? Sou new-waver ou salseiro de quinta? É sobre as mudanças "inacreditáveis" que algumas de nossas mais prestigiosas bandas já passaram , que vamos tratar aqui.

NAKED - Talking Heads (1989) - Os Talking Heads, desde sempre, foram muito indecisos quanto ao próprio direcionamento musical. Começaram como uma banda punk (no sentido nova-iorquino da coisa) no início da carreira. Lançaram um disco experimental sem sintetizadores e outro ainda mais experimental, entupido de sintetizadores, em parceria com o músico Brian Eno. Fizeram um excelente disco "funk", outro terrivelmente pop (e bom) e outro pop "pero no mucho", já com o cantor e guitarrista David Byrne completamente à frente das ideias.

Então, reviravoltas na sonoridade nunca foram exatamente surpresas, em se tratando do quarteto careta da big apple. Mas, um dia, o líder David Byrne viajou à Bahia e lá conheceu a axé-music e suas vertentes. Aliás eu não esqueço o dia em que, ao sair do Shopping Barra (na época eu morava em Salvador), me deparo com aquela figura esquálida e branca carregando um berimbau king-size. Era ele, Byrne em pessoa. A surpresa foi tanta que nem deu tempo de pedir um autógrafo. Mas isto é uma outra história.

Quando os Talking Heads lançaram o fraquinho True Stories, poderiam muito bem ter terminado ali. O cansaço da fórmula era óbvio. O grupo havia assinado um contrato com a Capitol para três discos, e parir o segundo já havia sido uma tortura. Mas a banda tinha que fazer mais um álbum e este superou negativamente todas as expectativas. Além de completamente diferente de um disco normal dos Heads, "Naked" era, e é, pois o tempo não o perdoou, muito, mas muito ruim. Em primeiro lugar, não era verdadeiramente um álbum do grupo. Entupido do que se convencionou chamar de "world music", estava mais para um disco solo de Byrne. Seria até mais honesto se levasse apenas o seu nome, e ainda pouparia os colegas do vexame. Pouco depois, Byrne, após uma das inúmeras visitas à terra de Iaiá e de Ioiô, se entupiu de hambúrguer de Oxalá e manteve contado de primeiríssimo grau com o "pagodão" e o "arrocha". Graças a Deus, nesta altura, os Talking Heads já haviam acabado.

SINCHRONICITY - The Police (1983) - Sting, muito antes de se tornar defensor perpétuo da floresta da chuva, ao lado do "meu amigo, o índio Raoni", era um músico de jazz-rock em Fim-de-Mundo do Norte, uma pequena cidade lá na longínqua Inglaterra. Até que o punk-rock tomou conta da ilha da rainha e Sting resolveu que também iria montar uma banda punk, junto aos "punkérrimos" amigos Stewart Copeland, também jazzista, e o progressivo Andy Summers. 

Mesmo com tudo contra, a banda deu certo, se a(pro)fundou no reggae, a ponto de batizar seu, até então, melhor disco com a corruptela da frase "reggae de branco".  Até este disco, que seria o seu terceiro, a banda levava a sério aquela história da simplicidade do punk. Nem um tecladozinho sequer aqui ou ali. Era tudo cru, embora a guitarra classuda de Summers fizesse a diferença. Mas para que eu fui reclamar? Algum tempo depois, um Police recheado de blimps e bumps se apresentava a mim com o hit Every Little Thing She Does Is Magic. Mesmo entupido de teclados, o disco, que se chamava Ghost In The Machine, para minha surpresa, era francamente bom. Aliás, era até melhor que os outros. Outro momento ideal para encerrar as atividades. Mas eles tinham que lançar mais um disco. O resultado é um álbum bem pop, quase sem guitarras e que seria bem fraquinho mesmo se não fosse a esquisita Mother, cantada por ninguém menos que Andy Summers. Ah, tá. Tem Every Breath You Take, a mais conhecida do grupo até hoje. De mais a mais, o disco se parece muito mais com o seguinte de Sting do que com seus anteriores.

GET CLOSE - The Pretenders (1987) - Chryssie Hynde sofreu muito com sua banda The Pretenders. Tal como Elvis Costello, teve que se mudar para a Inglaterra e lá formar seu próprio grupo musical. No auge do sucesso, perdeu nada menos que o guitarrista-solo e o baixista para as drogas. Reformulou a banda e lançou o excelente Learning To Crawl, em que contava as agruras passadas até então.

Sofrido e emocional, seria um excelente último disco para a banda. Mas ela tinha que lançar mais um (mais uns, na verdade, pois Hynde conseguiu manter o o grupo na ativa até hoje) e este, de The Pretenders, só tinha o nome da banda e o guitarrista do disco anterior  Enquanto as músicas da banda falavam de noitadas, de relacionamentos passageiros e da vida cotidiana de um solteiro, "Get Close" (mais perto) , de 1986, falava justamente do contrário, da vida de mulher casada e com filhos. 

Excelente hipotético disco solo de Miss Hynde, "Get Close" é apenas um álbum fraquinho dos Pretenders, o primeiro de uma longa lista. Mas, pelo menos, é bom. Só que Chryssie ainda iria mais longe e lançaria, sob a griffe Pretenders, coisas horrendas como a radiofônica  I'll Stand By You e outras baboseiras de FM. Mas, tudo bem, ninguém é mesmo perfeito e ela é uma excelente canastrona.

Continua aqui.       

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