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TUDO QUE EU PRECISAVA: A BIOGRAFIA RESUMIDA DO THE CARS.

Os fãs do Television têm motivos de sobra pra odiar os The Cars. Oriundos de Boston, que é para Nova Iorque, mais ou menos, o que Braga é para a cidade do Porto ou Niterói é para o Rio de Janeiro, os Cars chegaram à "grande maçã" (Nova York) com uma enorme disposição de fazer sucesso. Afinal, a banda já existia há 7 anos em 1979 e nunca havia sentido nem de longe o gostinho do estrelato. Foi quando um olheiro da Elektra assistiu um show do grupo e percebeu que a proposta musical era muito próxima à de uma outra banda na qual a gravadora investiu muito e não obteve grandes resultados. Lidar com o ego de Tom Verlaine, líder do Television, não era nada fácil e o som pop-progressivo da "nova" banda era muito próximo do deles, com a vantagem de soar bem mais comercial.

Na semana seguinte, o Television estava sumariamente demitido da Elektra,  após dois retumbantes fracassos comerciais, os excelentes Marquee Moon e Adventure. The Cars, finalmente, foram contratados. No ato da demissão, Tom Verlaine ainda teve que engolir do executivo que o demitiu que "os Cars fazem exatamente a mesma coisa que vocês, só que melhor, com mais apelo pop e são maleáveis e melhores de lidar".

Não era exatamente assim. Em comum, os grupos tinham a pegada quase "powerpop" tão em moda naqueles dias e canções mais desaceleradas, que destoavam da velocidade que parecia ser senso comum entre as bandas da época. E só. Os Cars eram mais pop, o Television mais lírico. Compará-los desta forma seria uma grande injustiça com ambos.

O visual não era exatamente o ponto forte dos Cars.

A banda começou ainda em 1969, em Columbus, Ohio, quando Benjamin Orr, baixista, conheceu Ric Ocasek, guitarrista sofrível e compositor promissor. Ao mostrar algumas de suas músicas a Orr, Ocasek notou que a voz do novo amigo se encaixava perfeitamente em suas canções. Acabaram montando uma espécie de banda de baile que se especializaria em tocar o top 40 das paradas de rock americanas. Insatisfeitos, em 1972, passaram a tocar as composições de Ocasek em um duo folk chamado MilkWood. 

Não foram muito longe, indo mais precisamente para Boston, cidade próxima e mais desenvolvida. Lá conheceram Greg Hawkes e Elliot Easton da "famosíssima" dupla "Hawkes & Easton", também firmes no caminho para o anonimato. Hawkes era um talentoso multi-instrumentista e Easton, um guitarrista apenas correto. As duas duplas sub-platinadas resolveram juntar os trapos, acrescentando um baterista à formação. Em 74, um aborrecido David Robinson, ex-baterista dos Modern Lovers originais, chateado com a guinada acústica de Jonathan Richman, fecharia a formação. Nascia o "Cap & Swing", uma banda de blues-rock. Ainda assim, nada aconteceria.

Os Carros com os motores funcionando.

Com o crescente interesse de Hawkes por sintetizadores, Robinson sugeriu que a banda mudasse de estilo e de nome, passando a se chamar The Cars e tocando um som mais vigoroso e roqueiro, condizente com o que estava sendo feito à época. Até então, o rótulo New Wave não havia sido inventado pela mídia e bandas como Blondie e The Knack, ou não existiam ainda ou estavam no começo da carreira. 

Fizeram uma tosquissima demo com a música Just What I Needed ("Tudo que eu precisava") e percorreram todo o circuito de clubes da área de Nova Iorque e Boston. Em uma destas apresentações, lá estava o olheiro da Elektra, que compraria a demo da banda e a levaria até os executivos da gravadora.

É bom dizer que, sem querer defender executivos da indústria fonográfica, a Elektra era uma das mais atrevidas gravadoras dos Estados Unidos, tendo bancado as loucuras de gente como Stiv Bators (Dead Boys) e Iggy Pop, nem sempre com retorno financeiro. Uma certa vez, peitaram o governo americano quando este pediu a demissão sumária dos "subversivos" do MC5, oferecendo, em caso de recusa, uma devassa fiscal. Tom Verlaine deve ter aborrecido muito os executivos da gravadora. Melhor para os Cars.

Mais arrumadinhos, posando para o último álbum, em 1987.

Em 78 lançam seu disco de estreia, intitulado The Cars. Um álbum cru, com canções das bandas anteriores dos integrantes do grupo em um formato que viria a determinar o que se entenderia por New Wave nos anos seguintes. O sucesso relativo e surpreendente de quase todas as canções do disco faria com que, menos de um ano depois, as lojas recebessem "Candy-O" com uma imensa expectativa. Nem a capa, que trazia o desenho de uma mulher seminua e que, anos depois, viria a ser descaradamente copiada pelos Strokes em seu primeiro disco, incomodou os lojistas. Outro "quase grande" sucesso, com inúmeras faixas próximas dos primeiros lugares. A renovação do contrato com a Elektra estava garantida.

Panorama, momento artístico máximo da banda

Em 1980, os The Cars soltam "Panorama", o terceiro e melhor disco, e adquirem respeito da crítica especializada, que elege o álbum como "o melhor da década de 80", quando, para alguns, a década sequer começara. Começa a assim rotulada "New Wave" com o grupo The Knack estourando todas as paradas com a sacolejante "My Sharona". Os Cars pegam carona (o que é, no mínimo, curioso para uma banda com esse nome) e põem seu álbum em primeiro lugar. 

Paradoxalmente, nenhum single do grupo tem a mesma sorte. Percebendo o potencial comercial da banda, a Elektra, que, de qualquer forma, era (e é) uma gravadora e visa retorno financeiro, resolve investir pesado. Com "Shake It Up", primeiro single retirado do quarto disco homônimo, banda e gravadora atingem, afinal, seus objetivos, fazendo com que os Cars consigam sucesso mundial.

"Heartbeat City", o sucessor de "Shake It Up", é lançado um pouco mais de dois anos depois, com muita expectativa sobre o "retorno dos Cars ao disco". O sucesso mundial da balada "Drive" entope a conta bancária dos músicos mas cria um impasse estético-criativo. Enquanto Ocasek quer retornar às raízes do som da banda, Orr, que já não era nenhum garoto, prestes a se tornar um quarentão, quer tornar o som do grupo ainda mais "comercial". Ocorre então a primeira separação, literalmente no auge do sucesso. Ric é o primeiro a se lançar em carreira solo, soltando um disco de estreia que é muito mais a cara dos The Cars que o último disco do seu grupo. Orr permanece dublando "Drive" em programas de televisão e no ano seguinte lançaria um disco solo, irreconhecível para um ex-membro dos Cars, cuja faixa principal, "Stay The Night", estouraria até no Brasil.

Ben Orr, traidor do movimento?

Em 87, por força de contrato, os Cars ainda lançariam Door To Door, uma tentativa fracassada de retomar o sucesso da banda. Mesmo sem nenhuma canção em grande evidência nas paradas, o grupo parte para uma melancólica turné de despedida pelos Estados Unidos. Chegam a tocar em ginásios semivazios , onde são obrigados a executar "Drive" seguidas vezes, por insistência de uma plateia que, definitivamente, não era composta de autênticos fãs do grupo. Desmarcam a maioria das datas e encerram definitivamente as atividades.


Ric Ocasek. Sem dúvida, um dos grandes guitarristas do rock. Media quase dois metros.


Ric Ocasek se tornaria produtor respeitado de diversas bandas do circuito Nova Iorque/Boston, como Guided By Voices e Weezer. Orr seguiria em carreira-solo tocando "Drive" mundo afora, até morrer de câncer em 2000, quando os Cars perpetravam mais uma volta. Com a morte de seu vocalista principal, o grupo é definitivamente enterrado, mas sua influência permanece em bandas como os Strokes, que os "homenagearam" em seu segundo disco, copiando competentemente o som dos rapazes de Boston.

Em 2005 acontece o que ninguém previa. Os Cars retornam às atividades. Quer dizer, mais ou menos. Elliot Easton e Greg Hawkes, membros originais, se juntam a ninguém menos que Todd Rundgren e formam os The New Cars, tocando basicamente o repertório do grupo anterior. Como diria o comediante Groucho Marx, a história não se repete. Nem como farsa.

(Publicado originalmente em 2006)

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