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A loucura será exposta nas redes sociais.

Imagine que você está andando por um caminho cheio de facas afiadas, fincadas no chão e apontadas para cima. As facas estão por todo o lado e só existe espaço no chão para um passo de cada vez, cada passo do tamanho exato de seu pé. Você caminha  atentamente entre aquelas facas tentando se equilibrar, mas você não pode cair nem deitar.  Se deitar, morre transpassado pelas facas. Se cair, morre também. Você dá passos cada vez mais lentos, tentando desesperadamente se manter em pé, enquanto seu corpo lhe  pede, também  desesperadamente,  que se deite e acabe logo com aquilo.

Poderia ser um ótimo enredo para um filme de terror ou pesadelo, mas também poderia ser uma excelente alegoria para quem está no limite da sanidade. Estar à beira da loucura deve ser mesmo parecido com isto. O mundo atual não nos dá muitas opções de se manter  como o coração tranquilo, a espinha ereta e a mente quieta, como naquela memorável canção de Walter Franco. Com a aceleração do progresso, a mecanização das relações cotidianas, o individualismo crescente, bem representados pelas redes sociais e paus de selfie; a serenidade, a meditação e a passividade vêm perdendo  terreno na alma do ser humano.

E este conflito entre estas duas forças que se opõem, variam de intensidade e de indivíduo a indivíduo. Há os que se sentem muito bem em meio a um universo onde o parecer valha muito mais do que o ser. Há os que não se deixam abater e continuem sendo, ainda que pareçam. Mas, a imensa maioria da humanidade parece estar em uma perigosa linha do meio entre uma coisa e outra. E são estas pessoas que surtam diariamente no mundo inteiro, e, ironia das ironias, acabam sendo filmadas ou fotografadas e tendo sua loucura implacavelmente exposta nas redes sociais.

Um discos discos mais emblemáticos dos anos 70, um dos mais discutidos e menos ouvidos de toda a história da música pop é o The Revolution Will Not Be Televisoned do norte-americano Gil Scott-Heron. Enganou-se o músico,  não só a revolução, mas a loucura cotidiana também serão televisionadas. Ou melhor, serão expostas nas redes sociais.

Como se a humanidade ainda precisasse surpreender, há os que fazem questão de que seu surto seja filmado e publicado na internet. Hoje em dia não basta perder as estribeiras, tem que mostrar ao mundo que as perdeu, como se dissessem:
 ”-Eis aqui o resultado de toda a pressão a que eu fui exposto”. 

O vídeo,  publicado recentemente, de um travesti que questiona uma mulher que beijou o seu marido, “o qual todos sabem que eu não amo, mas é meu” (sic) e depois parte para uma masculina surra no esposo, é uma das inúmeras provas web afora que, sim, já ultrapassamos todos os limites.

Recentemente, uma briga de casal terminou de forma trágica. A moça se desentendeu com o namorado caminhoneiro, que pegou o veículo tipo bi trem e foi embora.  Ela, apesar da tentativa de terceiros de segurá-la, correu atrás do veículo  em um visível acesso de fúria. Se desequilibrou e caiu entre as rodas.  Dois pneus do caminhão passaram por cima de seu corpo, tirando-lhe a vida. O namorado fugiu do local. Tudo foi filmado. Filmado e publicado nas redes sociais. Aquela moça não aguentou e se deitou por cima das facas citadas alegoricamente no início do texto. Deixou de ser uma pessoa para ser um vídeo perdido em um site de notícias bizarras da internet. A sanidade deu lugar, mais uma vez, à loucura e assim vai caminhando a humanidade.

(Atenção: cenas desaconselháveis e de forte impacto em ambos os vídeos).

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