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Um disco por ano de vida: “Odessey and Oracle” – The Zombies (1968) - Parte I

O complexo de estúdios  Abbey Road, em Londres,  entrou para a história por ter sido o local  da gravação de praticamente todos os discos dos Beatles. Também se eternizaria por ter batizado aquele que, de fato,  é o último álbum do conjunto, e pela foto de capa ter sido tirada bem em frente ao lendário estúdio. Ainda foi em Abbey Road, ao mesmo tempo em que os Beatles gravavam Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, em 1967, no estúdio “A”, que um Pink Floyd,  ainda com Sid Barrett, gravaria o seu igualmente icônico The Piper at The Gates Of Dawn. O disco de estréia do Floyd seria gravado no estúdio “B”, bem ao lado. Fala-se muito na troca de influências entre os dois grupos, Beatles e Pink Floyd, durante a gravação de ambos os discos, mas os estúdios Abbey Road também testemunharam o parto de inúmeros outros álbuns memoráveis, e um deles foi gestado imediatamente após a finalização de Sgt. Peppers, exatamente naquele mesmo estúdio “A”.

Abbey Road Studios
Na verdade, “Odessey and Oracle”, o segundo e último disco da banda britânica  The Zombies, havia  começado a ser gravado três meses antes, no Olympic Studios, também em Londres, por conta do atraso nas gravações daquele que viria a ser o clássico absoluto dos quatro de Liverpool. Para entendermos porque Odessey and Oracle é um dos melhores discos gravados nos anos 60 e porque só viria a ter o devido reconhecimento na década de 90 com o advento da MP3, é preciso voltar ao ano de 1963, quando a banda  foi fundada por Rod Argent, Colin Blunstone e Chris White.

 The Zombies, a princípio, era uma banda como outra qualquer de seu tempo, especializada em rhythm’n’blues e blues, na mesma linha de montagem que pôs inúmeros clones de Animals, Stones e Them no mercado. Mas quando conseguiram um contrato e lançaram a estonteante “She’s not there”, um ouvinte mais atento já perceberia que ali havia alguma coisa diferente de seus pares nas paradas de sucesso.

Mas, pelo jeito, ou havia boas bandas demais em 1964 ou os ouvintes atentos estavam em falta no mercado, pois, a despeito dos singles seguintes dos Zombies serem igualmente excelentes, e o grupo ter feito um primeiro LP irrepreensível, a banda, simplesmente, não deslanchou. Na segunda metade de 1967 resolveram se separar, porém, a gravadora CBS exigiu que fosse gravado um segundo álbum, a título de cumprimento de contrato.

Com Argent e White já ensaiando a sua outra banda, Argent, que viria a estourar mais tarde com o hit God gave rock’n’roll to you e o vocalista Colin Blunstone já planejando a carreira solo, os músicos se viram na inusitada situação de ter que sentar, compor e parir um álbum de uma banda que estava esfacelada e, ao menos  oficiosamente, extinta.

A CBS, de tão desinteressada que estava dos Zombies, os deixou absolutamente sozinhos no estúdio. Livres das pressões mercadológicas de fazer um disco de sucesso, entraram nos Abbey Road Studios dispostos a fazer um álbum o mais sincero possível, o mais fiel ao que eles queriam realmente criar, desde o princípio da carreira, o que eles gostavam de chamar em entrevistas de barroque pop. Ainda que estivesse livres para compor e tocar o que quisessem, nem tudo foi permitido pela gravadora. A faixa “A Rose For Emily”, por exemplo, deveria ter sido acompanhada de um quarteto de cordas, cortado do orçamento por determinação da companhia. Por conta disso, a banda resolveu manter a faixa com o arranjo “demo” original, com apenas piano, o que,  afinal, acabou deixando a música imensamente mais simples e charmosa.

A arte de capa, encomendada ao colega de quarto de Chris White, veio com um terrível erro de inglês, com a palavra  odyssey  grafada como “odessey” e ninguém parecia muito interessado em corrigir. Após a gravação, o disco foi simplesmente recusado pela CBS e engavetado para nunca mais ver a luz do dia. O que, evidentemente, não foi o que acabou acontecendo. (Continua...)






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