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O tinhorão e o brasileiro.

Tinhorão está mais do que certo, Tom Jobim é mesmo uma espécie de barriga de aluguel da música popular brasileira. Antes de mais nada, permitam-me apresentar às novas gerações o crítico de música José Ramos Tinhorão, uma espécie de Lester Bangs ultra conservador, que desafinou o coro dos contentes da bossa nova nos anos 50, e foi a pedra no sapato daqueles compositores da MPB que costumamos tratar como ídolos inatacáveis.

Só por isto, iconoclasta de carteirinha que sou, Tinhorão já mereceria o meu respeito. Mas, além de sua língua ferina, José Ramos Tinhorão sempre fundamentou, e muito bem, as suas acusações de plágio, que não pouparam sequer Cartola e sempre tiveram em Antônio Carlos Brasileiro Jobim seu melhor alvo.

Aos 87 anos, José Ramos Tinhorão continua lúcido e ativo. Em 2012 escreveu um de seus mais polêmicos livros, chamado "Festa de negro em devoção de branco", sobre a influência da cultura negra nas festas religiosas do catolicismo europeu. E, nas entrevistas que concede, nunca deixa de tocar no assunto plagiarismo e no "barriga de aluguel", como o crítico costuma se referir ao nosso maestro. O chama assim por acreditar que Jobim é excelente na arte de gestar canções dos outros e parir novas composições a partir delas, tão iguais e tão diferentes dos originais quanto se é possível ser.

Jobim, de fato, é digno de levar, em seu sobrenome, a palavra "brasileiro". Que atitude mais "safo", mais "brasuca", pode haver, do que roubar do incauto e vender o produto do roubo à vítima de volta? E, musicalmente, foi exatamente isto que Jobim pareceu fazer a vida toda. Requentar os standards norte-americanos, mexer um pouco aqui e ali e revender aos gringos como se fosse uma produção absolutamente nova.

Particularmente, eu acredito que os ianques foram encegueirados pela vaidade. Ver aquele jovem - e competente, sem dúvida alguma - pianista, oriundo das "selvas brasileiras", recriar as pedras preciosas do seu cancioneiro, deve ter mexido, e muito, com a frivolidade do norte-americano. Não há outra explicação. Algumas canções de Tom Jobim são tão parecidas com outras canções da terra do Tio Sam, que dá até para cantar a letra de uma na outra.

É o caso de "Querida", uma das últimas composições do mestre Jobim. É muito fácil cantarolar os versos desta canção ouvindo a instrumental "Satin Doll", de Duke Ellington, composto ainda na década de 40. Algo parecido acontece quando se tenta solfejar "Eu sei que vou te amar" na melodia de "Dancing in the dark", famosa na voz de Bing Crosby.

Derivações são algo corriqueiro e absolutamente comum na música popular. O próprio Cartola se inspirou em "La Rosita" de Coleman Hawkins, para compor a sua "As rosas não falam". Roberto Carlos, que volta e meia se envolve em alguma acusação de plágio, se inspirou em "These Foolish Things" para compor a sua "Detalhes", tendo afanado até mesmo um verso inteiro, "estes detalhes irão fazer você lembrar de mim". Mas, nem Cartola nem o rei podem ser acusados de plágio, ao menos nestes casos.

Legalmente, e isto é aceito no direito internacional, é necessário seis compassos idênticos para que se configure o plágio. Aos ouvidos leigos, algumas canções de Jobim parecem ter muito mais que seis compassos em comum com outras canções. É o caso de "Anos dourados", que seria plágio de "Meus amigos", de Tita Lobo. Esta, inclusive, foi uma das raras acusações formais de plágio contra Jobim, que, levado á justiça, foi considerado inocente.

Porque Tom Jobim nunca foi "desmascarado", isto é um verdadeiro mistério. Não é muito difícil convencer os fãs mais aguerridos do maestro, de sua capacidade de copiar e regurgitar uma nova canção, aparentemente novinha em folha. Talvez a resposta esteja no imenso carisma e charme do compositor. Visto por muitos como o brasileiro "civilizado", uma espécie de macunaíma tipo exportação, morreu sem ter, em nenhum momento, sua reputação manchada pelos seus pretensos plágios. Fosse político, não faria nada  feio frente aos seus colegas da atualidade.



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