Da noite para
o dia, as paradas musicais dos Estados
Unidos foram tomadas de assalto por uma nova voz. A canção, pop e pegajosa como toda boa canção
pop deve ser, rapidamente chegou ao primeiro lugar, sendo a mais tocada em todo
o país ainda na semana de lançamento. “(I’m)
All about that bass”, que, em
uma tradução muito livre, significaria algo
como “sou mesmo uma gordinha gostosa” ,
trata de um assunto bastante pertinente para as mulheres na atualidade: De como uma mulher pode ser gordinha e ser desejada justamente por ser
assim.
A música faz
um trocadilho com as ondas sonoras graves (“bass”), que são, digamos,
“gordinhas”, e as ondas agudas que ela rejeita (“no treble”). Uma riff de contrabaixo (também “bass” em
inglês) segura a canção, enquanto a cantora afirma que é “all about the bass”.
Então, não dá mesmo para fazer uma tradução literal do título. Mas a ideia que
ela quer passar é mesmo a de que não vale se sacrificar para emagrecer se os próprios garotos preferem as gordinhas.
Mas afinal, quem é esta negra de voz poderosa que, em
pouco mais de três minutos, destila
tanto veneno, despudor e bom humor? Para
começo de conversa, não aprendemos mesmo a lição. Desde Janis Joplin e Steve Winwood já
deveríamos saber muito bem que não existe isto de “voz negra”. Há, sim, as vozes encharcadas de soul music,
de sentimento e profundidade, e afinal,
se alma que é a alma não tem cor, imagina a voz.
Para surpresa
de todos, a “negra poderosa” certamente
é mesmo muito poderosa, mas é, na verdade,
uma menina branca, loira, de aparência
nerd e apenas 21 anos de idade. Assumidamente acima do peso, desesperadamente
linda, encantadoramente talentosa e, para desespero geral das feministas de
plantão, muito à vontade no seu papel de
“mulherzinha”.
Por
mulherzinha, entenda-se, sem nenhuma conotação pejorativa, aquelas mulheres que resolveram não ceder aos apelos do
feminismo de combate e, a despeito de
serem fêmeas muito bem resolvidas e
cheias de personalidade, sabem muito bem
usar aquele olhar de quem implora por proteção ao macho que se acha dominante, tão necessário para que a humanidade continue
se multiplicando.
Seu segundo
clip, da igualmente deliciosa canção “Dear Future Husband” (Caro futuro marido) chega a ser ofensivo para
os corações mais comprometidos com o
“women’s lib”: A menina se declara
pronta para ser uma boa esposa, trabalhadora, “do lar”, desde que seu Romeu se mostre um verdadeiro
príncipe encantado. Claro que há muita polêmica
e ironia envolvidas, mas quem se importa
de verdade? Só em atazanar as feministas
radicais ianques, a mocinha já parece se
dar por satisfeita.
“Title”
(aliás, que título genial para um álbum! Como nunca ninguém - relevante, claro – pensou nisto
antes?) não é seu disco de estreia. Já é o terceiro. A loirinha gravou seu primeiro álbum aos 17
anos. Canta e compõe desde os doze. Na prática, porém, este é o disco que realmente
a catapultará para o, agora, inevitável estrelato.
Com menos de um mês de lançado, "Title" já está
beirando o milhão de discos físicos vendidos, o que, em se tratando da
combalida indústria fonográfica atual, já é um verdadeiro feito. E a saga da gordinha gostosa, pin up loira e
encantadora, ainda nem começou.
É preciso que
se diga, “Title” é um disco de pop music. Então que ninguém espere a salvação do que
quer que seja nas suas quinze faixas. O
que se encontra lá é música translúcida e cristalina, sem os enxertos
modernosos do pop recente e com os dois pés afundados nas sonoridades soul dos
anos 50 e 60, sem deixar em nenhum
momento de soar atual. E é aí que a
cantora ganha o ouvinte. Sem ser um mero
pastiche de décadas passadas, “Title” é uma
verdadeira lufada de ar fresco em um cenário entupido de cantoras patricinhas, feitas
de plástico e recém-saídas de musicais do tipo Glee e High School Musical.
No disco há a
alegria fifites da faixa título, uma das melhores do disco; a participação da lenda John Legend (perdão
pelo infame trocadilho) em “Like I’m Gonna Losing You”, uma vibrante canção
soul de belíssima linha melódica. Há também o flerte com o hip hop em “Bang Them Sticks”
e há, claro, “All about that bass”, forte candidata a música, senão do milênio ou da década, pelo menos do
ano do Senhor de 2015. Não por acaso, a cantora derrapa em “Mr. Almost”, com
participação do rapper Shy Carter. Mas
nada que comprometa o todo.
A capacidade e
técnica vocais da pin up dourada e encantadoramente feminina lembra, em muitos momentos, a falecida Amy Winehouse, mas o impacto que ela quer causar é algo mais parecido
com o que Cyndi Lauper fez quando pegou
o mundo de surpresa no início dos anos
80, ironicamente, com um divertido libelo feminista.
Ela tem apenas 21 anos e exala
juventude, mas já é um nome certo para ser guardado e lembrado, pois será uma das grandes cantoras e
compositoras da segunda metade desta década.
Ah, sim, o nome dela? Grave bem: Meghan Trainor. A gordinha gostosa de se ouvir.
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