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MCCARTNEY II: O MELHOR DISCO RUIM DO MUNDO.

McCartney II não é,  nem de longe,  o melhor disco de  Paul McCartney.  Ao contrário,  é um verdadeiro teste de resistência para qualquer  fã do ex-beatle.  Se o fã conseguir passar incólume  pelas 12 faixas do álbum, sem pular nenhuma, parabéns  a  ele, este é um verdadeiro “McCartneymaníaco”.

Não é que o disco seja  ruim, porque não é ruim mesmo.  A questão é que é experimental e pessoal demais.  Paul McCartney  gravou o disco ainda aborrecido com a má recepção de seu último lançamento com os Wings, o excelente Back To The Egg e  a prisão no Japão por porte de “MacConha”.  Completamente sozinho,  no estúdio que mantinha em sua casa, Paul tocou todos os instrumentos e, fora alguns backing vocals aqui e ali da sua musa Linda, trata-se de um disco quase esquizofrênico (vide a conversa com ele mesmo no início do blues On The Way).

McCartney II foi lançado em 16 de maio de 1980, há exatos 35 anos  atrás, precedido por um single docinho com um hit fácil,  grudento,  que,  aliás,  assegurou as boas vendas do álbum no mundo inteiro.  Coming up (Like a flower)  (Desabroche – como uma flor) foi feita como uma amistosa provocação ao ex-colega de banda John Lennon, para que voltasse a cantar e a compor.  Dizem as boas línguas que Coming Up,  enviada a Lennon em uma fita demo,  acelerou o seu  retorno ao mundo artístico.  Também dizia-se que uma volta dos Beatles, ao menos para shows comemorativos,  naquele momento era apenas  uma questão de tempo e só dependia do lançamento do disco de John para que finalmente acontecesse.

Aliás, Coming Up  era, originalmente, uma canção do repertório dos Wings.  No  lado B do single, inclusive,  há uma versão com a banda,  ao vivo.  Um fato curioso: Quando Coming up foi lançada dos EUA,  os programadores das rádios passaram a tocar a versão ao vivo,  alegando que o público queria ouvir uma voz “de verdade” e não a voz mexida digitalmente da versão de estúdio, apenas com o ex-beatle.

Coming up deixou a crítica na expectativa de um disco pop e comercial. No entanto, os críticos se decepcionaram com o que ouviram em McCartney II e baixaram o sarrafo em Paul.  De “megalomaníaco” a “indigente musicalmente”,  o álbum foi trucidado pelos críticos, mas, ainda assim, galgou boas posições nos  “charts”  americanos,  chegando ao terceiro lugar entre os álbuns mais vendidos, logo após o seu lançamento.

McCartney II bem poderia ser rotulado como um disco  “não-conceitual”  se este termo existisse.  Não conta uma história, não há uma sequencia lógica na ordem das canções, muito menos em sua estrutura.  Inicia com o mega-hit Coming Up  e logo descamba para o techno-pop rústico de Temporary Secretary.   Na sequencia,  o já comentado blues On The Way  e a doce Waterfalls, uma balada climática e um tanto “new age”,  que chegou a fazer  cócegas no “hit-parade”  como segundo single, tendo até clip exibido no Fantástico. O animado boogie woogie Nobody Knows encerra o lado A com muita dignidade.

Se o lado A já tem uma cara de lado B, Paul não faz concessões no lado B e já nos brinda com um par de canções esquisitas. Front Parlour é uma espécie de trilha sonora instrumental de um filme que não foi feito e é seguida de um  oratório.  Sim, um oratório, muito belo por sinal, chamado Summer Day Song.   O que se segue, bem, é uma outra canção  instrumental esquisita com cara de  trilha sonora,  chamada Frozen Jap . Boogie Music  é outro boogie woogie, onde McCartney brinca com sua voz, fazendo a soar como se houvessem  vários cantores.   A estranheza continua com Dark Room, provavelmente o reggae mais “tosco”  já gravado por um branco.  Lá pelo meio da música, Paul  desiste da “reggatta” e  resolve acelerar o andamento, transformando-a em alguma coisa que transcende qualquer descrição.  Aí a música acaba,  sem mais nem menos.

A última faixa faz o ouvinte mais tradicionalista respirar  aliviado.  A belíssima  One of these days encerra o disco e ponto final. Assim mesmo.  Como um filme que acaba e ficamos sem entender  o fim.  Porém, na versão em CD, ainda há tempo para a  indescritível Check My Machine.  Mais uma “regatta” (“regatta” é como os jamaicanos apelidaram jocosamente as tentativas dos brancos de reproduzirem o reggae),  que de tão esquisita e, digamos, moderna,  acabou inspirando,  alguns anos depois,  ravers de todo o mundo.

É preciso dizer que McCartney II não tem absolutamente nenhuma relação com o seu antecessor, o  McCartney,   lançado em 1970, a não ser o fato de que ambos foram compostos, arranjados e tocados exclusivamente por Paul.   Seis meses após o lançamento de McCartney II,   John Lennon lançaria seu disco Double Fantasy,  em parceria com a mulher, Yoko.  No dia 8 de dezembro de 1980, Lennon é assassinado em frente ao edifício onde morava, encerrando  definitivamente qualquer esperança de reunião dos Beatles.  John desabrochou como uma flor,  como pedira seu ex-parceiro,  apenas para ser brutalmente arrancado do solo e esmagado pelas mãos de um jardineiro psicopata.



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