Em 18 de maio
de 1980, um domingo, no final da tarde,
o músico e poeta inglês Ian Curtis, vocalista da banda Joy Division, era encontrado morto na cozinha de sua casa. Na vitrola, a agulha ia e vinha se debatendo contra o rótulo do disco. O disco era The Idiot, primeiro álbum solo do roqueiro norte-americano Iggy Pop. No vídeo cassete, o filme Stroszek, do cineasta Werner Herzog, encontrava-se para
fora do aparelho e sem rebobinar. Strozek contava a
história de um homem que preferiu se matar a ter que escolher entre duas
mulheres. Aparentemente foram estes o último
filme e o último disco que Ian Curtis viu e ouviu antes de morrer.
Sua banda
havia acabado de lançar um segundo disco, de ares ainda mais sombrios que o
primeiro, com o título revelador de “Closer” (mais perto). Para a capa do LP, o artista
gráfico Peter Saville havia fotografado túmulos, a pedido do cantor. Havia uma tournée norte-americana marcada para
os próximos dias e sairia um single inédito com cara de hit chamado Love Will Tear Us
Apart (o amor irá nos fazer sucumbir) .
Talvez Ian
Curtis não passasse mesmo de um idiota,
que preferiu se matar a ter que escolher entre duas mulheres. Ou se matar a vivenciar o estrelato que tanto
desejara alcançar. Ou ainda, se matar a continuar
tendo crises epiléticas no palco. Talvez tenha preferido se matar como um atalho para a fama e reconhecimento imediato. Ou até, talvez, Ian Curtis não fosse nada
disso. Fosse apenas um garoto com a tormenta ao seu lado, um ser humano comum
em plena batalha com seus demônios internos; alguém que não resistiu às enormes
pressões que lhe rodeavam.
Basicamente,
as pessoas costumam ter duas ideias
completamente distintas sobre o suicídio do músico. Quando da sua morte, a imprensa inglesa
acreditou que havia matado a charada: A
capa do recém-lançado segundo LP com a foto de um túmulo. Seu mais
recente single, ainda inédito, chamava-se “o amor irá nos fazer sucumbir”. Curtis parecia ter dado o golpe de marketing perfeito,
catapultando a sua banda e a si mesmo para o panteão dos popstars mortos, pagando o preço com o próprio sangue. Mas o tempo se encarregaria de mostrar que,
pelo menos, este não seria o único motivo pelo qual ele cometeria suicídio.
Havia quem
pensasse que seus ataques de epilepsia no palco eram mera encenação. Nem mesmo seus colegas de banda tinham
absoluta certeza de que suas quedas durante as apresentações não eram mesmo
propositais. E também havia Anikk
Honoré, a mulher entre Curtis, sua
esposa e seu bebê.
Com uma filha
recém-nascida e uma mulher com quem se casara aos 19 anos, Ian Curtis encontrou em Honoré a fuga perfeita, o esconderijo ideal para se
afastar de todos os seus problemas. Os
integrantes de sua banda não lhe davam a importância que gostaria, tanto que o descreveram como “uma pessoa normal e feliz”, logo após o
seu suicídio. Sua esposa, Deborah, sem tempo para ele ou acompanhá-lo em shows
por conta da filha pequena, não prestava
muita atenção no que diziam suas letras.
Anikk Honoré parecia
entendê-lo melhor do que ele próprio.
Pelo menos, esta era a impressão que Ian tinha ao estar perto dela. Isolou-se cada vez mais em um mundo particular
onde só cabiam os dois e mais ninguém. Nem
mesmo os seus colegas do Joy Division. Após os shows sentavam-se, ele e Anikk, sempre do lado oposto do bar que os outros
integrantes.
Mas Anikk Honoré também não enxergava a Curtis como ele
gostaria que ela o visse. Em uma
entrevista a uma revista em 2010,
confirmou aquilo que , no fundo, todos os que eram próximos dos dois já sabiam:
o “affair” dos dois era uma relação
platônica por parte do músico.
A paixão por
Honoré e a excessiva proximidade com ela custou-lhe o casamento. Deborah, ao saber do relacionamento
extra conjugal – que, no fundo, nem era tão conjugal, apesar de
certamente ser “extra” - entrara com um
pedido de divórcio e se mudara com a filha para a casa dos pais. Por outro lado, Ian se enchia cada vez mais de
medicamentos para controlar a epilepsia. Parecia um balão de gás cada vez mais cheio,
cada vez mais perto de explodir. Pouco
antes de se matar, sofreu uma overdose dos seus próprios medicamentos. Diz a lenda que Bernard Sumner, então guitarrista do Joy Division, o teria
levado a um cemitério para que tivesse consciência de onde poderia estar
após a overdose.
Foi o pai de
Tony Wilson, dono da Factory, a lendária gravadora do seu grupo, que viu o que ninguém conseguia ou queria ver:
Que
Ian Curtis era alguém em rota de colisão com a própria morte: - “Esse
rapaz vai acabar se matando”, teria avisado
à nora, que achou que seu sogro estava
exagerando. Um mês depois do triste vaticínio, o artista se suicidava em sua casa.
Difícil
acreditar que Ian Curtis fosse um ator, representando alguém com uma alma
atormentada. De fato, era um ser humano imerso
em um pesadelo real, onde tudo lhe era particularmente
pesado. Talvez tenha mesmo planejado
cuidadosamente os detalhes de sua morte para que ela tivesse o maior impacto
possível e pudesse colocar seu nome no panteão das estrelas sacrificadas para os deuses do rock. Mas, com certeza, não foi apenas a fama póstuma que o motivou.
O Joy Division
seguiria em frente sem ele, trocaria de nome para New Order e alcançaria o estrelato com uma música alegre e ingênua,
fortemente dançante e trafegando entre o rock e a música eletrônica. Anikk Honoré
viria a morrer em 2014, vítima de
câncer. Deborah, que escreveu um livro, que virou filme, sobre o ex-marido, e sua filha, vivem hoje em uma pacata cidade do interior da
Inglaterra. Quanto a Ian Curtis, sim, o
amor, afinal, o destruiu.
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