Pular para o conteúdo principal

BOM CHÁ DE HERVA DOCE - PARTE II

Durante o ano de 84, o Herva Doce solta mais uma regravação,  desta vez da música “O Pica-Pau”, para uma coletânea de música infantil.  Haviam mudado de gravadora, indo para a RCA, e, para que se mantivessem na mídia, o produtor Miguel Plopschi sugeriu esta participação.  “O Pica Pau”, originalmente uma obscura canção de Renato Barros gravada por Erasmo Carlos na jovem guarda, tentava, mais uma vez, repetir o sucesso de  Erva Venenosa.

Em 1985, o Herva Doce finalmente retorna ao disco, agora como um quarteto, e mais uma vez estoura  uma música no rádio.  “Amante Profissional” pegou o Brasil literalmente de assalto.  Da noite para o dia, a banda tinha mais um  mega-hit.  

Confesso que, ao ouvir “Amante Profissional”  pela primeira vez, senti uma enorme decepção.  A canção - foi minha primeira impressão - passava bem  longe da qualidade do material dos dois primeiros discos.  Temi pelo que iria encontrar nos sulcos do novo álbum e, admito, meu preconceito explícito acabou me cegando para um disco que, se era mesmo inferior aos dois primeiros,  também não era  tão ruim assim quanto me pareceu nas primeiras audições.
 
Doce Mistério”, composição de Prêntice, que, na época, fazia canções para artistas populares,  por incrível que pareça,  foi a primeira faixa do terceiro disco que,  efetivamente,  me pegou pelo pé.  Até hoje é uma das minhas favoritas da banda.  Com a “aliviada” na má impressão,  fui assimilando o disco aos poucos,  ouvindo coisas como “Passa a Mão”, “Sempre Minha Amiga” e “Tô Tan Tan”.

 De fato, não havia como esconder a guinada para algo mais "popular", mas ainda era o Herva Doce de que eu tanto gostava e, com o tempo, até a própria  “Amante Profissional” acabou sendo ouvida com o mesmo prazer  com que ouvia as outras.  Anos depois, eu mesmo escolheria  esta faixa do Herva para o repertório de uma banda que montei para tocar hits do rock nacional dos anos 80.

Desastre Mental”, o quarto  e último disco, mais pesado,  mau humorado, um tanto amargo e adulto demais,   foi tão mal divulgado que eu só vim a saber da sua existência um ano depois que ele foi lançado, ao encontrá-lo em um saldo de uma grande loja da minha cidade.  Ouvi o álbum com o espanto de quem continuava a não reconhecer a sonoridade familiar dos dois primeiros discos, mas agora a história era bem diferente.  Com uma qualidade musical  e sonora impressionantes, “Desastre Mental”, o disco,  soou exatamente o inverso de "Amante Profissional" aos meus ouvidos.  Tive que desconstruir tudo que achava que entendia como Herva Doce para poder assimilá-lo.

O que se ouve nas dez faixas de “Desastre Mental” é uma banda que, finalmente, encontrara sua identidade e estava pronta para ocupar seu lugar na história do BrRock.  As letras estavam afiadas como nunca.  “Falso Viciado”, que abre o disco, é um verdadeiro manifesto contra a falta de honestidade e já deixa claro o que o Herva Doce pretendia  com essa nova guinada.  O disco seguia com o lirismo de “Última Gota”,  a regravação de “Estranho”, de Guilherme Arantes,  e até as intervenções do novo baterista  (e segundo vocalista) Fred Maciel, nem tão felizes no disco anterior,  aqui soaram bastante eficientes em “Diferente”.

Completando a discografia, ainda há um disco-mix (uma espécie de LP com uma faixa de cada lado para divulgação em rádio) distribuído às rádios e jornalistas pela gravadora Continental com uma canção de Renato Ladeira que se tornaria famosa logo depois com o co-autor Cazuza:  “Faz Parte do Meu  Show”. A música, que na versão do Herva  contém uma parte a mais do que na  do cantor, passou totalmente despercebida e, simplesmente,  não aconteceu.  O  grupo acabou de separando algum tempo depois.

As más e boas línguas sempre afirmaram que o Herva Doce era uma banda oportunista,  formada por “dinossauros” do rock nacional dos anos 70,  apenas para aproveitar a bolha do B-Rock que se formara naquele momento inicial da década de 80. Trata-se, no mínimo, de uma meia-verdade.  A banda foi  pioneira,  uma das primeiras a gravar, e,  salvo se tivessem uma bola de cristal, jamais poderiam prever o que aconteceria nos anos seguintes.

Ou até pode ser que seja isto mesmo,  mas, se a motivação fosse apenas comercial, ainda assim, o Herva Doce era um produto muito bom,  cuja qualidade faz muita falta hoje em dia.  E  era rock and roll no talo e fazia, e ainda faz, a minha cabeça.  Como dizem em sua canção-manifesto do primeiro disco, “eu sou do rock, eu sou Herva Doce”.  Bom chá de Herva Doce para todos nós.

Em memória de Pena e Paul Di Castro. (Nota de 2015: Infelizmente, em memória também de Renato Ladeira e Roberto Lly, meus amigos pessoais, que me auxiliaram e divulgaram muito esta matéria na época).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...