Quando eu ouvi
aquele petardo de três minutos tocando
no rádio em 1982, ainda mais cantado em português, eu literalmente
enlouqueci. Aquilo era muito, mas muito bom mesmo, e fez
minha coleção de discos envelhecer 256
anos em 2:56 segundos.
Aquela canção era uma verdadeira pérola pop, breve e fugaz como as boas canções devem ser. “Volta meu bem”, a faixa em questão, trazia todos
aqueles elementos que faziam a “niueive” ser a música velha mais moderna daquele
tempo: Refrão pegajosíssimo cantado em falsete, letrinha tatibitati, melodia
bem construída e aquele indisfarçável toque de The Police que toda boa (ou má) banda nacional dos anos 80 não podia
passar sem. E, ao final daquela bela
trinca de minutos, quando o locutor anunciou o nome da banda, Erva Doce,
eu tive a certeza de que havia
descoberto alguma coisa realmente nova e
muito boa.
Eu saberia
depois, a grafia correta do nome do
grupo era “Herva Doce” e aquela canção foi gravada quase de
brincadeira durante o carnaval daquele ano, aproveitando horários ociosos de um
estúdio carioca. Corri para o
supermercado - naquele tempo ainda se vendiam discos em supermercados – e
comprei o compacto simples com “Volta Meu Bem” no lado A e “Ganhei Um Avião” no
lado B. Virei o lado do disquinho e descobri que a outra
canção também não fazia feio. A formação
que gravou “Volta Meu Bem/Ganhei um Avião” era: Renato Ladeira - teclado e vocal, Paul Di Castro - baixo, Marcelo Sussekind na guitarra e
Sérgio Della Mônica na bateria.
Com a boa
repercussão do single de estréia, o
Herva Doce partiu para um LP, agora com Pena - também do Sangue da Cidade, outra banda pioneira - substituindo Della Mônica na bateria e Roberto Lly no baixo, com Paul Di Castro assumindo a outra guitarra. Estourou
mais uma no rádio, desta vez uma regravação da versão jovem guarda feita pelos
Golden Boys para “Poison Ivy”, hit do grupo americano The Coasters.
Lembro
claramente da primeira vez que ouvi
“Erva Venenosa”, também no rádio.
A longa introdução imediatamente chamou a minha atenção. Quando a voz de Renato Ladeira entoou os primeiros versos, soube logo de quem se tratava. Corri atrás do LP, mas estava no interior da
Bahia em 1983, e foi impossível encontrar o disco por aqui.
Ainda em 83, durante
uma viagem a Santos, no litoral de São
Paulo, descobri que o Herva Doce iria fazer
um show gratuito na praia do Gonzaga. Eu
iria estar lá bem naquele dia e não perderia aquilo por nada. O Herva havia acabado de abrir para o Kiss em um Maracanã lotado, fazendo a própria banda principal se
impressionar com o público dançando e cantando
“Erva Venenosa” em coro. Finalmente
iria conferir aquela bandinha new wave ao vivo. A “bandinha” fez um show que me deixou boquiaberto.
Não sei se estava, aliás, eu
realmente não estava, preparado para ouvir aquilo que ouvi.
Ao vivo, O
Herva Doce, que já era muito bom em disco, parecia uma outra coisa. As
versões “live” de Volta Meu Bem e Erva
Venenosa, até então os únicos hits, eram incrivelmente mais energizadas e mais
pesadas que as versões em estúdio. A gig começou em grande estilo com “Magia sensual”,
do recém-lançado segundo disco, seguida
de “Devo Não nego” e “Ganhei Um Avião”.
O Herva estava lançando outro LP e as músicas novas não ficavam nem um
pouco atrás das “antigas”. Com absoluta
certeza, foi um dos cinco shows inesquecíveis de toda a minha vida.
Foi neste show
que pude finalmente notar que o Herva Doce não era uma banda “new wave” típica, econômica e limitada como eram os grupos
daquele tempo. Pelo contrário, era formada por músicos experientes que sabiam
usar muito bem seus instrumentos e não
tinha vergonha de esmerilhá-los, tocando
com alegria e eficiência, mas sem os
exageros rococó dos virtuoses. Saí daquele show disposto a encontrar o
primeiro disco a qualquer custo. No
outro dia , fui correndo até a Ferrs,
uma das lojas mais antigas da cidade, e perguntei pelo primeiro disco do Herva. Acabei
levando dois. O primeiro e o Herva Doce II, que, àquela altura, já estava nas prateleiras.
Finalmente com
o primeiro disco em mãos, com um atraso de um ano do lançamento, eu pude
constatar que tinha comigo um dos melhores álbuns de rock nacional de todos os
tempos. Com uma arte de capa que não deixava nada a dever aos melhores
lançamentos internacionais, Herva Doce,
o disco, iniciava com o mega hit "Erva Venenosa" e seguia com “Não Faz Sentido”, naquele momento
sucesso na voz de Ney Matogrosso. A
segunda faixa denunciava claramente o artifício da banda de tentar soar, álbum
afora, como o grupo inglês The Police.
Não era exatamente um grande pecado, afinal, inúmeras outras bandas do
BrRock estavam fazendo a mesmíssima coisa e até mesmo medalhões internacionais
como o Yes e o Rush se apropriariam de elementos da turma de Sting em seus
novos discos. E, afinal, não incomodava
tanto assim. Ou melhor, não incomodava nem um pouco.
O desfile de
excelentes canções fez deste primeiro disco quase um "greatest hits" precoce.
Tanto que, na única coletânea oficial da banda, “Preferência Nacional”, apenas
uma música deste disco ficou de fora.
Já o segundo
disco era bem mais eclético. Ia desde a eletrônica "Bip Bip", até o rockão assumidamente
cinquentista de “Topete”. Apesar de neste álbum ainda haver
coisas como “Magia Sensual” e “Bom Mesmo é Paixão”, duas músicas que
poderiam muito bem estar no primeiro LP,
é notável a busca da banda por uma identidade própria . O ranço de The Police, firmemente presente no
disco de estreia, finalmente se fora,
mas ainda havia alguns erros a serem cometidos.
A excelente versão de “What I'd say”, original de Ray Charles, chamada “O que é que
eu vou fazer”, por exemplo, tinha um
arranjo incomodamente parecido com o de “Erva Venenosa”, provavelmente visando a repetição do sucesso
da primeira.
Herva Doce II,
porém não decepcionou quem esperava pelo segundo disco da banda de Lly, Ladeira
e Sussekind. Era um produto
honestíssimo, que entregava exatamente aquilo que vendia: boa música, bem executada e magnificamente produzida, divertida e de muita qualidade.
(Continua)
Comentários