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NOS TEMPOS DA BRILHANTINA.

     Tem filme que envelhece bem, permanecendo um clássico muito tempo após ser lançado, ainda que seja, ao menos a princípio, datado. Um exemplo é o filme Blues Brothers ("Os Irmãos Cara-de-Pau").  Lançado para capitalizar o sucesso do quadro de Jim Belushi e Dan Akroyd no programa Saturday Night Live, a película acabou alcançando dimensões muito maiores do que a originalmente planejada, se tornando um sucesso mundial e provocando um renascimento (ou surgimento) do interesse pelo rhythm and blues e pela soul music entre os jovens e apreciadores de música em geral.

Outros são tão oportunistas - ou aparentam ser - que, desde o lançamento, são considerados lixo, trash-movies. Muito criticados no momento em que ganharam as telas dos cinemas, adquirem respeito e alguma condescendência com o passar dos anos. O exemplo ideal deste tipo de filme seria Saturday Night Fever, o nosso "Embalos de sábado à noite". Revisto hoje em dia, seu simplismo e aparência de clip mal feito de longa duração ganha um certo charme possivelmente inexistente nos seus primeiros anos de vida.

Outros - e estes é que são a grande surpresa - surgem como clássicos em potencial. Filmes que, mesmo antes de serem rodados, quando são apenas anunciados, já dão a impressão de que vão ser tudo que se espera deles: Sucesso de bilheteria, de crítica e passagem garantida para a eternidade.

O tempo, aquele cruel senhor da razão, às vezes põe tudo abaixo, revelando as mazelas e pontos fracos da película fadada ao olimpo hollywoodiano. O exemplo final, e tema deste texto, é  Grease (Nos Tempos da Brilhantina).  Filme da vida de muita gente, surgiu em 1978, em plena era disco e pediu emprestado muito do sucesso de seu protagonista masculino, o então megastar John Travolta, que havia se tornado uma estrela ao interpretar o descartável Toni Manero no já citado "Saturday Night Fever".

Os pontos em comum entre os dois filmes não são tantos, mas são bastante significativos: Dan Ziko, ou Danny,  o personagem de Travolta, é uma rápida adaptação de seu Toni Manero para a década de 50. Até o esquisitíssimo andar,  Travolta copiou,  sabe-se lá se por vontade própria, ou por indicação dos produtores/diretores. A música tema do filme, inexistente na peça da Broadway na qual foi inspirado, foi encomendada aos Bee Gees, que haviam feito com absoluto sucesso a trilha do filme anterior do mesmo John Travolta.  O resultado,  de cara, foi a pior música da trilha, mesmo sendo interpretada pelo magnífico Frankie Valli.  Mas a conexão com a turma da disco music estava garantida.  Por fim, mas não menos constrangedor, a cena de dança copiada do outro filme, com as devidas adaptações.
     
      Alguns erros já eram evidentes à época, e foram largamente registrados pela imprensa especializada: A atriz/cantora australiana Olívia Newton-John, que andava em baixa tanto como uma coisa e outra, não teria sido a melhor escolha para o papel de Sandy, até porque com 35 anos, não convencia de jeito nenhum como a adolescente de 17 anos, ingênua, virgem e excessivamente tímida.  A maquiagem não ajudou a disfarçar a idade de Newton-John.  Em muitas cenas, há uma profusão de rugas e pés-de-galinha que poderiam ter sido retocadas. A escolha de John Travolta para o papel principal foi outro erro, segundo a imprensa.  Travolta não teria experiência e densidade suficiente para o papel e - supremo defeito - não sabia cantar, exigência "cine qua non"(sic) para estrelar um musical (mas, cantou, de qualquer forma, e, enfim, canta a melhor música da trilha original).  

A malhação da crítica parou por aí. De resto, foi uma babação surpreendente quando o filme finalmente foi lançado.  O resultado, conhecido,  foi a superação da bilheteria de "Saturday Night Fever",  a consagração de ambos, Newton-John e Travolta, e a febre nostálgica dos anos 50, que acabou facilitando a vida das bandas de rock do final dos anos 70, que já ensaiavam tal retorno.  Isso sem contar a volta de artistas veteranos que já haviam marcado lugar no limbo do ostracismo.
       
Hoje, mais de vinte e cinco anos depois de seu lançamento, revisto pelos olhos (os meus) de quem assistiu ao filme aos 13 anos, entusiasmado com as cenas de dança e com a atitude "rocking", muito bem captada diretamente dos anos dourados, uma série de outros defeitos se tornam perceptíveis.  A canastrice de Travolta,  que passou amplamente despercebida por mim, naquele momento,  em algumas situações chega mesmo a incomodar.  

Seria como se Francisco Cuoco fizesse o papel de Danny.  A caracterização do personagem, esta sim, está perfeita. E tem o charme e o carisma natural de Travolta. A simpatia do sorriso do homem ofusca, e bem, sua canastrice  evidente. Olívia Newton-John não parece estar muito à vontade no seu papel de adolescente-com-cara-de-mais-velha, o que é compreensível. Sua Sandy é caricatural e pouco natural. Tanto que inspirou a "nossa" Sandy, que é um clone moreno da personagem, em caso único de artista influenciada por um personagem e não pela protagonista.

Mas o maior defeito de Grease, o filme, foi se inspirar demais em Grease, a peça. Na Broadway, ou em qualquer teatro onde se assista um musical, o que acontece entre um número e outro é irrelevante. É apenas uma ponte entre as canções. Mas Grease, o filme, tem pretensões de contar uma história, de ser um filme entre o tradicional e o musical.  O pouco cuidado com o que acontece entre as canções é escandaloso: Os diálogos são claramente frouxos e parecem ter sido muito menos ensaiados do que os inesquecíveis números musicais. Tudo é contado muito rápido e sem profundidade, tornando as situações muitas vezes inverossímeis.  Aliás, o cineasta John Waters já havia percebido isso, e ao ter seu pedido de autorização para um remake do filme negado pelos detentores dos direitos sobre a marca, fez a aparente imitação "Cry Baby", com Johnny Deep no papel principal,  que nada mais era uma maneira de mostrar como ele filmaria Nos Tempos da Brilhantina.  A inesquecível atriz esquecida Amy Locane foi escolhida para o papel desta sub-Sandy e convence muito mais como as duas "Sandy", a boazinha e a "malvada".  

A trilha sonora de Grease é um capítulo à parte pela sua excelência, mas ainda assim, não escapa à sucessão de erros da produção do filme.  Em primeiro lugar, as versões do filme são levemente modificadas. O que aparece na tela nem sempre se repete no disco. Em segundo, todas as canções são executadas pelo importantíssimo grupo americano Sha Na Na,  um combo de nove músicos que influenciariam os brasileiros do João Penca,  os ingleses do Madness e do Specials e toda formação de mais de sete integrantes que você conheceu a partir do final dos anos 70.  Titãs incluídos. Sensação no festival de Woodstock, o Sha-Na-Na só recebeu crédito nas canções em que colocaram seu próprio vocal e, no filme, apesar de tocarem na cena da festa, têm seu nome modificado e mal aparecem na longa sequência.

Alguns pontos positivos,  já percebidos naquele tempo, permanecem intocados. A interpretação primorosa e cativante da excelente atriz Stockard Channing para a liberada Rizzo, muito mais profunda do que a dos demais atores, por sinal, é um deles.  A já comentada qualidade dos números musicais é outro.  Talvez o grande equívoco de Grease é que ele não é encarado pelo que realmente é, um bom filme trash. Visto por este ângulo, todos os erros são desculpáveis. E alguns até se transformam em virtudes, como no caso da canastrice de Travolta e na velhice precoce de Newton-John, que acabam dando um tom mais kitsch ao filme.

De qualquer forma, é um clássico, e como tal, terá sempre fãs pelas décadas afora. Muitos ainda não devem nem ter nascido e alguns surgirão quando o contexto em que foi feito não fizer o menor sentido para a audiência da época. Portanto, tudo isso acaba sendo irrelevante. Melhor é pegar a pipoca, a Coca-Cola e ligar o Blue-Ray, tomando o cuidado de deixar o equipamento de som em um volume alto o suficiente. O resto é papo-furado.






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