Eu sempre te dizia para tomar cuidado com o louco. Eu vivia falando:
- Cuidado com o louco, cuidado
com ele!.
Mas você nunca
me dava ouvidos.
O louco morava perto de
nossa casa. Tinha uma aparência absolutamente normal, era até simpático, boa praça, sempre bem
humorado, eu poderia até dizer que era carismático. Mas era louco. Absurdamente louco. Algumas vezes, o louco parecia um sabão. Em um momento era louco de
pedra, em outros, louco de pó. Assim como no romance clássico de Robert Louis Stevenson, O estranho caso de Dr.
Jeckyll & Mr Hyde, conviviam dentro do louco duas pessoas completamente
diferentes. Uma te amava, te admirava, queria ardentemente
ser como você era. E a outra pessoa que vivia dentro do louco te detestava
justamente por isto.
O louco tinha
a alma completamente vazia. Não tinha
espírito, era só carcaça. Era como um livro em branco esperando para ser
escrito. Ou, ainda, uma mídia virgem esperando para ser gravada. E
isto incomodava as duas pessoas que dividiam o corpo do louco. Eles precisavam desesperadamente forjar uma
personalidade para ele. Então, um dia, encontraram
você.
Você não se
deu conta, mas o louco começou a se
aproximar de ti para, aos poucos, fazer uma espécie de download espiritual de
todos os traços da tua personalidade que pudessem ser úteis a ele. Aos poucos foi
copiando teus dados, criando um mundo paralelo em que ele se tornava cada vez mais parecido contigo.
Diziam que o
louco, quando conseguia equilibrar as duas forças que se digladiavam dentro
dele, buscava, antes de mais nada, a aprovação de todos que o rodeavam. A lógica do louco era insanamente perfeita: Falava mal de você
com quem lhe detestava e bem com quem lhe tinha alguma simpatia. Desta forma o louco satisfazia ao Jekyll e ao
Hyde que se abrigavam dentro dele. E,
enfim, com seus demônios interiores acalmados, o louco ficava bem com todo mundo.
O louco também
gostava de perseguir a si mesmo, como naquele filme, o Clube da Luta. Gostava que as pessoas ficassem sabendo de seus
segredos, contados como se fossem inconfidências, feitas por uma outra pessoa. Na verdade, agia como um criminoso que não
suportava mais conviver com os crimes
que cometera. Precisava contar dos
próprios mistérios a você, aquele a quem replicara. Inventou pessoas e situações. Em seu mundo
distorcido, o louco acreditava que era seu próprio Deus.
Um
dia você, finalmente, percebeu que o
louco tinha dupla personalidade. Foi naquele dia em que você, depois de tantos anos, finalmente me deu ouvidos. Você
tratava o louco como se fosse o seu
melhor amigo, contava-lhe alguns de seus
segredos.
Gostava de dizer que era uma pessoa solitária até que o louco te apresentou todos aqueles a quem conhecia. É, meu caro, você não se deu conta, mas, de certa forma, o louco te envenenou com um pouco da personalidade dele.
Gostava de dizer que era uma pessoa solitária até que o louco te apresentou todos aqueles a quem conhecia. É, meu caro, você não se deu conta, mas, de certa forma, o louco te envenenou com um pouco da personalidade dele.
Tanto
que, quando o louco te pediu para
escrever cartas de amor por ele, você
sequer parou para pensar no quanto aquilo tudo deveria parecer estranho. Um homem maduro escrevendo cartas para a amada
de outra pessoa. De certa forma, você
passou a viver um pouco da vida do próprio louco. Fala a verdade, você meio que se divertia em
manipular o louco. Só não se deu conta
que era manipulado também.
Agora, depois que você se afastou do louco, ele vive por aí contando mentiras a teu
respeito. Mas, me diz, o que você realmente esperava que o louco
fizesse? Que ele te esquecesse? Pois saiba que ele jamais te esquecerá nem
deixará que você se esqueça dele. Ele
ainda quer ser como você. No fundo, bem lá no fundo, ele ainda te ama. E também te odeia.
Sabe o que nos
difere do louco? Aqueles dois que vivem
dentro dele não se entendem nunca. Vivem
competindo, querendo prevalecer um sobre
o outro. Travam uma guerra constante que
nada traz de bom ao louco. Nós dois,
não. Dividimos o mesmo corpo fraternalmente. Daí ninguém desconfiar que também somos dois
habitantes em um mesmo indivíduo. Nem
aqueles dois que moram no corpo do louco. Nem o louco também. Nem ninguém. Mas eu te avisei sobre o louco. Ah, eu avisei...
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