Só hoje, depois de muito tempo, 26 anos depois que ele se foi, é que fui entender, de fato, aquele homem que morreu com os mesmos 49 anos que estou prestes a completar daqui a quase um mês. O hiato de experiências nunca vividas, a relação de pai e filho que nunca tivemos plenamente, isto ainda é um buraco emocional em minha vida, ainda que o tempo tenha se encarregado de tapá-lo com o cimento da minha própria experiência adquirida com todos os erros que eu poderia não ter cometido.
Bastava que aquele homem ainda estivesse aqui, com os cabelos brancos que não chegou a ter, para que minha vida tivesse sido tão mais fácil de ser vivida. Que falta faz um pai presente, senão para nos falar de seus sucessos, ao menos para nos prevenir de seus fracassos...Sem um pai ao lado, vivemos às cegas, erramos e acertamos por nós mesmos. Se um dia o visse novamente eu lhe diria que não poderia ter ido embora tão cedo e me deixado aqui sozinho, sem rumo, sem regras, sem direção. Sinto a falta dele.
Eu não sei se, naquele momento, quando ele quis me ensinar alguma coisa, eu queria mesmo ouvir muito, mas certamente ele me disse muito pouco. Por outro lado, eu nunca soube sequer ouvir. Eu queria saber o que eu queria, não o que eu precisava saber.
Quando se sabe ouvir, não precisam muitas palavras. Tivesse aprendido a ouvir, não teria perdido tanto tempo. Não teria levado anos para entender que, realmente, eu nada sei. Do alto dos meus 23 anos, a idade que eu tinha quando ele me deixou mais uma vez, nunca me abaixei o suficiente para me submeter aos 49 anos que ele tinha.
Ele costumava dizer que queria ter a experiência dele e a minha juventude. Hoje eu tenho a sua experiência e continuo o mesmo jovem de quando ele me disse tão pouco. De fato, menos esperançoso, com menos fé na humanidade, calejado pelos tropeços e pelas decepções. Mais amargo, menos generoso. Seria esta a experiência da qual ele falava? Eu nunca soube, nem quis saber, de suas angústias. Sempre o vi como um homem de ferro, implacável, inatingível, um tanto inacessível. Seria esta a sua lição que não quis ouvir?
Só depois de muito tempo comecei a entender como seria o meu futuro. Meu filho nasceu alguns meses antes de seu avô morrer e hoje em dia eu sou o pai, hoje em dia eu sou ele. Tive minha cota de erros com meu filho e tento não repeti-los com minha filha, mas nem sempre consigo. Mas, certamente, aprendi algumas lições. E só depois de tanto tempo é que fui perceber que é este ciclo que me faz enxergar como foi o passado ao lado do meu pai, como é o meu presente ao lado dos meus dois filhos e como será o futuro deles sem mim, quando serei uma lembrança tão intensa na vida deles, como meu pai é na minha.
Estes são os verdadeiros dias de luta. Os dias em que ainda estamos vivos para sermos chamados de pai.Estes são os dias de pais, os dias de paz. Se meus filhos ainda são jovens, se os filhos deles nem nasceram, que eu me prepare para amanhã cantar esta canção, para que eles saibam o que cantarão depois para seus filhos. Ser pai é bem isto, dar de volta o que não tivemos, aprender com os erros e acertos de nosso próprio pai e tentarmos ser um pai melhor para nossos filhos. Onde quer que você esteja, meu pai, saiba que perdoo todos os seus erros, lembro de seus acertos e sinto sua falta. Um beijo.
(Baseado na letra da canção "Dias de Luta" de Edgar Scandurra).
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