Quase todo pai é um artista. Eu digo "quase" porque alguns são desleixados de suas próprias obras e não conservam o que criaram, em um momento muitas vezes tênue, de inspiração. Mas, por graça divina sim, a imensa maioria dos pais são artistas que vivem retocando suas obras e nunca se dão por convencidos de que sua arte agora é arte-final, pronta e acabada.
Bons pais, ao voltar os olhos para o passado, sempre se acham insatisfeitos em relação à forma como criaram seus filhos. Mudariam isto ou aquilo, fariam aquela coisa de outra forma, teriam tomado outras decisões, ainda que tudo isto pouco importasse, ou pouco modificasse, a obra de arte finalizada.
Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria àquela quase madrugada de maio de 1989, o momento em que o menino magrinho veio ao mundo, chorando muito e já despertando em mim o insitnto protetor de pai. Teria feito a mãe desistir logo cedo da amamentação, que ele definitivamente recusou, e a convencido a partir para o aleitamento artificial, indo contra a maré do incipiente "politicamente correto", e não tê-lo deixado á beira da subnutrição. Lembro que foi ninguém menos que o meu pai o primeiro a tomar uma providência: comprou uma lata de leite específico para bebês, fez o leite e deu ele mesmo, contra a nossa vontade. Nos convenceu a ir ao médico e constatar o que ele, leigo, já constatara. Ah, meu pai, Deus o abençoe, avôs são mestres dos artistas ateus.
Daí em diante, eu mudaria o rumo de diversos momentos, de diversos detalhes. Insistiria mais em sua presença ao meu lado enquanto criança, para que nosso elo infantil jamais se quebrasse. Mas pais são pouco inteligentes. Se esquecem rápido de que foram filhos, de que foram crianças e adolescentes. E insistem em impor a sua maturidade como senhores do conhecimento quando não passam de pintores trôpegos borrando telas quase em branco.
Um outro passo e me veria agora em novembro de 2005, conhecendo aquela que seria a minha filha de alma na inocencia de seus cinco poucos anos. Encontraria a obra de arte já iniciada por outro artista e não julgaria ser mais fácil terminá-la, como pensei. Mas que doce ilusão esta de achar que é mais fácil terminar o que já foi começado. Da mesma forma que é doce ajudar a escrever a história da minha filha, da mesma forma que escrevi com caligrafia firme, a história do meu filho; ser pai e artista, artista e pai, até que estas duas palavras se confundam, é uma tarefa interminável.
Chegará o dia em que a tela se transformara em tinta, que a obra se tornará obreiro, e lá estaremos nós, os pais artistas, incansáveis, retocando o fruto de nossa natureza. Finda agosto, o dito mês dos pais. Mas, que pai consegue retocar todas as suas "obras-filhas" em um mês e passar os outro onze apenas a admirá-las? E que as mães não se sintam diminuídas. De tão grandes, não cabem no papel de simples artistas, são a inspiração em si. Mas seremos sempre nós, os pais, os eternos retocadores das obras perfeitas que julgamos imperfeitas. E é justamente esta impaciência e indecisão que nos moverá até o fim de nossas vidas.
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