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Keith Richards, Sgt. Pepper’s e uma imprensa cada vez mais “rubbish”.

A imprensa mundial vive de polêmicas tolas e não deveria ser assim. O papel do jornalismo na sociedade moderna é, para além de relevante, essencial, e a velha estratégia de manipular informações, distorcer falas de entrevistados, apenas para  vender jornal (e, hoje em dia, ganhar views nos sites)  anda cada vez mais fácil de ser desmascarada.

Algum tempo atrás questionaram a cantora Sandy se ela achava possível sentir prazer anal. A pergunta já pareceria descabida sendo feita a uma artista que nunca abusou da sensualidade, aliás, nunca mesmo a usou. Filha do cantor Xororó, da dupla Chitãozinho e Xororó, Sandy saiu de uma carreira infanto-juvenil ao lado do irmão, para cair em um casamento tão convencional que seu esposo era integrante de um grupo musical caseiro chamado “Família Lima”. Mas Sandy, até pela ingenuidade e despreparo, respondeu a pergunta sem constrangimento algum e disse que sim, era possível sentir prazer anal. Foi o suficiente para a revista estampar em sua capa a “polêmica” declaração da cantora. Agora, sabíamos que Sandy gostava de usar a “porta dos fundos”. Muito bem, assim caminha a humanidade. Principalmente a parcela da humanidade formada em jornalismo.

Recentemente, a “vítima” foi alguém que, de ingênuo não tem absolutamente nada. Porém, nem toda a experiência de vida acumulada em séculos de vida compilados em décadas, impediu o roqueiro inglês Keith Richards de cair na armadilha do repórter que o entrevistava. Acontece que Richard é um purista do rock, daqueles que, como o brasileiro Raul Seixas, acredita que o rock morreu quando Elvis foi servir ao exército.

Quem leu sua autobiografia percebe claramente isto: Richards é intransigente quando o assunto é a música que ouve e faz, só abrindo algum espaço em seu gosto musical para o reggae e o soul, ainda que em doses bastante homeopáticas. Richards é basicamente rock and roll e blues, nada muito além disto. Assim, era de se esperar que toda aquela coisa de disco music e funk que os Stones fizeram era muito mais obra de Mick Jagger do que dele. E era.  Se Richards já torcia o nariz assim para estilos musicais tão conservadores, o que o velho guitar-man dos Stones teria a dizer sobre a psicodelia que tomou conta da segunda metade dos anos 60, afetando diretamente os Beatles e os próprios Stones, que fizeram, quase ao mesmo tempo, discos entupidos de ruídos, lisergias e canções que passavam longe da obviedade?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que não foram os Beatles – nem os Stones -  que inventaram o psicodelismo. Aliás, os Beatles surfaram, e muito bem, nesta onda, com seu maravilhoso disco Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, de 1967. Mas, antes dos Beatles, inúmeros artistas já haviam feito grandes álbuns psicodélicos: Frank Zappa, Beach Boys, 13th Floor Elevators, são apenas alguns deles. E isto sem contar Revolver, parido pelos fab four no ano anterior e já encharcado de LSD. E, após Sgt. Peppers, os próprios Stones lançaram seu petardo psicodélico, o Their Satanic Majesties Request.

É sobre estes dois discos, emblemáticos desta fase, pois trata-se das duas maiores bandas de rock da época caindo de boca na então nova onda psicodélica, que fala o velho homem das seis cordas.  Afirma, entre outras coisas, que “os Beatles eram sensacionais fazendo aquilo que os tornaram famosos” e que, tanto um disco, o dos Stones, quanto o outro, o dos Beatles, eram “fúteis”. Usou a palavra inglesa “rubbish”, que tem, no Reino Unido. O significado alternativo de ”lixo”. No dia seguinte, as manchetes de todos os jornais do mundo traziam a relevante notícia: “Keith Richards afirma que Sgt Pepper’s é lixo”.


Que bom que é assim. Beatlemaníacos apressados terão mais um bom motivo para detonar os Stones e a imprensa mundial ganhará alguns views dos mais desavisados em seus sites. Os comentaristas de facebook, igualmente apressados, se indignarão,  como toda “rubbish” que permeia esta rede e , até eu aqui, ganhei um tema para mais um texto do Impaciente e Indeciso. Provavelmente, Paul McCartney, que, recentemente, se aproximou do guitarrista e é o mentor intelectual de um dos discos que foi criticado por Richards, pouco se incomodará com a opinião do amigo. Resta apenas o combustível para mais uma polêmica fake do mundo virtual e real. E a imprensa, sempre ela, seguirá teimando em perder a pouca credibilidade que já tem.




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