Há uma velha – e muito boa – canção que
se chama “What made Milwaukee famous”. A canção traz como subtítulo “Has made a
loser out of me” e fala de cerveja, porém, o que fez a cidade de Milwaukee, no esquecido estado
norte-americano do Wiscousin, se tornar famosa para mim – e, sem dúvida isto,
de alguma forma, é responsável pela minha parte “loser” que ainda existe hoje
em dia - foi a banda local Plasticland.
Plasticland é um combo neo-psicodélico surgido na segunda metade dos anos 80, saídos de
alguma máquina do tempo diretamente dos anos 60 para aquela década. Lançaram seu primeiro LP, Collor Apreciation, em 1984, na França,
pelo selo Lollita Records, e só um
ano depois, conseguiram um contrato nos Estados Unidos, com a Enigma Records. A Enigma nada mais fez do que lançar o mesmo álbum europeu com
alterações na ordem das músicas. Foi esta edição, epônima, que trazia como título do disco o próprio nome da banda, que
acabou aportando no Brasil em um improvável pacote de delícias lançado pela
gravadora RGE.
A RGE,
ligada à gravadora Som Livre, por sua vez ligada á Rede Globo, era uma companhia com pouca ou nenhuma tradição
em lançamentos de rock. Os discos foram lançados por aqui de qualquer jeito,
sem divulgação alguma ou até mesmo qualquer informação sobre as bandas. Foi
assim que aportaram no Brasil, maravilhas de bandas excelentes como TSOL, 45
Grave, Tex & The Horseheads, Green on Red e esta absoluta maravilha sonora
que é Plasticland, o disco.
Se me permitissem levar cinco discos
para o céu - ou para o inferno -, Plasticland
seria um deles, com a mais absoluta certeza. Além da aula de psicodelia punk,
estão ali melodias inesquecíveis e uma
sonoridade, ao mesmo tempo moderna – para a década de 80 – e retrô, caindo de cabeça nos anos 60. O
guitarrista, letrista, tecladista e vocalista Glen Rehse e o melodista Frank Yaknovik jamais repetiriam o grau de inspiração presente neste
álbum nos outros discos do Plasticland. E, em 1985, quando o mundo
estava deprimido, triste e ”dark” demais, Plasticland,
o disco, parecia ser a trilha ideal para tanta melancolia.
O disco abre com a grandiosa versão de Alexander, dos Pretty Things, uma das maiores influências da banda do Wiscousin.
Aqui a pegada é punk, com uma guitarrinha fuzz permeando o corpo da canção até
desembocar em um refrão encharcado de LSD. Na seqüência, vem “Disangaged from the
world”, que soa como um Echo & The Bunnymen com a libido no último volume.
“Her decay” e “The Glove” são corretíssimas
mas é quando começa “Sipping in The Bitterness” (afogado em amargura) que bate
aquela vontade de se matar. Nunca uma história de amor foi tão desconstruída
quanto nesta pequena obra-prima.
“The garden in pain”, com sua pegada a
La Bo Diddley, com Rehse caprichando em sua voz de
chapeleiro maluco, é a faixa seguinte: Enérgica, nervosa, breve. Quase como um
“baque” de açúcar marrom.
“Elongations”, uma das melhores faixas do disco, dobra tudo que é energia,
nervosismo e brevidade,com uma guitarra fuzz urgente permeando os menos de dois
minutos que a canção dura. ”Driving Accident Prone”, uma fatídica canção sobre
alguém que resolve se suividar em um acidente de carro, encerra brilhantemente
o lado A. Algumas edições em CD trazem a
canção “Collor Apreciation” como nona faixa. Apesar de muito boa, ela parece
mesmo deslocada em meio às outras. Foi bom, tê-la retirado do LP, foi bom tê-la
colocado na edição em CD.
O lado B de Plasticland começa com “Wallflowers” e começa totalmente para
baixo. Pelo jeito, Glen Rehse não
tinha mesmo muita sorte com as mulheres. “Wallflowers” é cortante de tão
triste. E os arranjos etéreos de teclados, que vêm do nada e somem para lugar
nenhum, não ajudam a melhorar o clima. Se você está em uma desilusão amorosa no momento, melhor pular esta faixa.
“Euforic Trapdoor Shoes” é uma peça
intensamente lisérgica, talvez a melhor interpretação do vocalista em todo o
disco, recheada de distorção fuzz,
simulando uma viagem alucinógena que termina subitamente, tal qual uma bad
trip. A deliciosa e curta “Pop Op Drops” que, para variar, fala de uma viagem
de ácido, rouba marotamente parte do arranjo de uma canção da banda Love para compor a melodia. “Sections” cativa pelo clima rococó-metal, que a deixa como uma peça solta na engrenagem do lp
“Rattail Comb” e “Posing For a Picture” são excelentes exemplos da melhor
psicodelia pesada feita fora dos anos 60 e deságuam na magnífica cover de
“Magic Rocking Horse” do obscuro – e bom – grupo sessentista Pinkerton’s Colours. A edição em CD ainda traz “The
Mushroom Hill”, outra canção apenas mediana, acertadamente excluída da edição
americana.
O Plasticland
lançaria outros discos igualmente bons, cheios de idéias interessantes e música
idem, mas a energia, o rancor, a tristeza, a dilaceração da alma presentes em Plasticland, o álbum, jamais seriam
repetidas. Se no céu – ou mesmo no inferno – tiver vitrola, quero levar uma
cópia deste disco comigo.
Comentários