O plágio só não é mais antigo que a
criação. Até porque, se surgisse antes da criação, a própria criação já seria,
por si só, um plágio. Não entendeu? Acostume-se. Na música pop, o plágio – e
por plágio, aqui, entenda-se qualquer intenção de copiar qualquer parte de uma
canção – é quase uma obrigação. Então, não estou aqui a me fazer de moralista,
defensor da criação totalmente original, até porque ela, a criação pura, simplesmente
não existe.
Eu mesmo, em minhas composições
musicais, já surrupiei trechos de outras canções para fazer uma terceira, novinha em folha. E,
provavelmente, de quem eu “roubei”, este já havia igualmente roubado de outro compositor. A música pop é assim, derivativa por
natureza, ou seja, nela, uma coisa deriva da outra, e foi este processo natural
de antropofagia cultural é que a fez sobreviver estes anos todos.
Mas existe um limite, aliás, existem
dois, para determinar o que pode ser chamado de uso natural de trechos de uma
canção para se fazer outra, e o plágio,
este ato passível de processo criminal. Por lei, bastam seis compassos idênticos
para que uma música possa ser considerada cópia da outra e um autor copiado ter seus
direitos garantidos. É um entendimento legal praticamente universal.
Não é uma regra justa, aliás trata-se de uma norma
muito rígida, que pode fazer com que muitas canções apenas parecidas umas com
as outras – afinal são apenas sete notas na escala musical – sofram uma
acusação inconsistente de tentativa de cópia. Aconteceu com o hit mundial Feelings, composição do brasileiro Morris Albert, que depois de décadas, sofreu um processo de plágio por conta de
poucas notas semelhantes com uma obscura canção de um compositor francês.
Mas existe uma outra situação, que vai
muito além do plágio. É quando um artista copia completamente uma canção,
inclusive incluindo o arranjo original.
Se a cópia se dá em outra língua, pode-se até afirmar que se trata de uma
“versão”, mas quando não há nenhum crédito para o autor do original, trata-se
de um caso de apropriação indevida da obra alheia.
Gene Clark |
Por outro lado, Gene Clark, fundador dos Byrds, banda icônica dos anos 60, e outro com uma carreira bastante irregular,
sempre foi um dos meus heróis. Mas nunca havia encontrado um disco solo deste
artista para chamar de “meu”. A carreira do norte-americano é marcada por
discos inacabados, fitas-demo remasterizadas e álbuns póstumos. Foi então que
resolvi pesquisar a fundo e encontrar um LP amarradinho para representar Clark
em minha coleção. Foi então que me deparei com o absurdamente bom “Roadmaster”, de 1973.
A resenha do disco de Gene Clark vai ficar para outra ocasião,
em um texto futuro da série “Educação
Artística”, mas confesso jamais esperar encontrar “Mas I Love You” ali,
todinha, nota por nota, com o mesmíssimo arranjo, na forma da canção “Here
Tonight”, do disco de Clark. Não, Raul não fez uma versão, eu tive o disco Metrô Linha 743 e lá está grafado como autores,
ele e o parceiro Rick Ferreira. Raul simplesmente se apropriou de algo que
não era seu.
Por muitos anos, “Mas I Love You” foi a
minha preferida da obra do roqueiro baiano. Agora, não é mais. Me sinto profundamente desapontado com o meu
conterrâneo. Sei que não é seu primeiro
plágio, mas dane-se! Pelo menos das outras vezes ele plagiou o que eu não gostava. Fica
o gosto amargo de ter sido enganado todos estes anos. Agora, por mera
coincidência, a minha preferida de Raul é “Judas” do disco Mata Virgem. Espero
não descobrir qualquer dia destes que se trata de mais uma marotagem do maluco beleza.
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