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EPITÁFIO.

         Quero ver o sol se pôr todos os dias até o último pôr do sol da minha vida. Todos os dias fazer minha caminhada vespertina, sair de casa ainda com o dia claro e a mornidão do sol de fim de tarde batendo no meu rosto. Retornar para casa já com a noite caindo e a brisa do vento noturno refrescando meus pensamentos. Quero que me acompanhe o meu velho telefone, com munição de mais de mil canções para compor a trilha sonora da hora mais agradável do meu dia. Andar só, cantar junto, refletir, ponderar, me acalmar. Voltar para casa como se tivesse feito uma hora de análise. E de graça.

          A menos de 18 meses de completar 50 primaveras resolvi ajustar algumas coisas na minha vida. Tenho tentado descomplicar ao máximo possível as minhas relações pessoais. Perceber melhor as fraquezas e vicissitudes dos que andam ao meu lado, não para atingi-los e sim, para ampará-los. Tenho me aventurado a entender os amigos que se afastaram e, ainda assim, continuar a amá-los, mesmo que não os veja mais tanto quanto eu gostaria.

Quero morrer de amores todo dia pela minha companheira de jornada nesta vida. Não aquele amor de postar foto em rede social para todos saberem que sou amado. Quero dela o amor que blinda, me fortalece e me faz enfrentar os problemas de cabeça tranquila. E é deste mesmo amor que quero alimentá-la todos os dias. 

Também quero me dar ao luxo de deixar de fazer o que eu não quero. Não quero engordar, não quero envelhecer prematuramente, não quero mais fazer música. Não quero amar quem não merece ser amado. Não quero ser político com mais ninguém. Estou trocando as falsas amizades por inimizades, desde que elas sejam sinceras, pois sinceridade é tudo. 

Quero olhar mais para dentro de mim mesmo, para conseguir entender mais as pessoas que me cercam. Quero, também, voltar a crer em Deus. Não o burocrata das religiões, mas o criador de todo o universo. Aquele que só me cobra a generosidade com meu semelhante e não fazer com os outros nada que não quero que seja feito comigo.

Quero me arriscar mais, errar mais e, como consequência, acertar mais do que antes. Dormir mais cedo, acordar mais cedo; sim, eu quero ver o sol nascer. Só não quero chorar mais, mas se precisar, não me furtarei de derramar minhas lágrimas.

Quero deixar de me importar tanto com os meus eventuais fracassos e valorizar muito mais os meus êxitos. Sim, eu tenho que aceitar a vida como ela é. Nem todos nós podemos ser felizes como queremos mas certamente queremos ser felizes como podemos. Quero trabalhar mais, é verdade, pois simplesmente adoro meu trabalho, mas na hora que o expediente acabar, quero correr para ser ainda mais feliz lá fora.

O acaso tem me protegido, mas eu não tenho andado mais assim tão distraído. Tenho feito a minha parte, me tornando a cada dia mais atento. É chegada a hora de trocar a palavra “tenho” , tão presente, por “sou”. No meu epitáfio não virá mais a palavra “devia”. Terá tão somente a palavra “viveu”. Embaixo, em letras brilhantes: “E foi feliz”.

(Inspirado na canção “Epitáfio”, de Sérgio Britto)




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