PELICAN WEST - Haircut 100 (1982) - Minha história com
este disco é bem curiosa. Quando eu tinha quinze anos (e todo mundo já
teve quinze anos e, se não teve, ainda terá) posava perante um amigo o
qual havia "catequizado" para o rock, de profundo conhecedor do assunto.
Assim sendo, e como se isto fosse verdadeiramente possível, mesmo
naquela época, eu me passava, como belo falsário, de "expert" em rock
and roll. Era só dizer a banda. Claro que eu já conhecia. Foi assim que
eu me dei mal, e justo com o grupo inglês Haircut 100.
Um belo
dia, visitando como de costume as "igrejas" da cidade (leia-se lojas de
discos), eis que me deparo com este disco de bela capa, apesar de
povoado por marmanjos. Dei uma boa olhada na arte e, vivendo em 1982,
você não apostaria que esta banda faria um som bem "new wave"? Atentem
para o look "niueive" do (depois eu saberia) lendário baixista Les
Nemes, com direito a gravatinha amarela e tudo mais. O meu amigo logo me
perguntou se eu conhecia aquele disco e eu, é claro, disse que
conhecia.
Claro que era mentira. Eu nunca tinha ouvido falar do
"Pelican West". Sim, porque naqueles tempos ainda não eram comuns as
bandas de nome esquisito e eu, feliz com o meu blefe, nunca poderia
imaginar que Haircut 100 era o nome do grupo e Pelican West o nome do
disco. Mas o pior ainda estava por vir. Mesmo comigo garantindo que se
tratava de uma banda "punk-new wave", o meu amigo quis ouvir o disco e
ai foi que eu me ferrei de verdade. Em 82, qualquer coisa que soasse
"limpinha" e que tivesse uma batidinha mais dançante, virava "discoteca"
automaticamente. E assim foi.
Desmoralizado, esqueci do disco
até que, em 1985, passando uns tempos na terra de Elis Regina, visitando
as excelentes lojas locais, me deparo com o tal do "Pelican West" com
um preço extremamente convidativo. Ponho o disco para tocar e me encanto
com o que ouço. Agora, bem mais maduro musicalmente, percebo as nuances
pop, o instrumental refinadíssimo e as canções bastante assobiáveis.
Levo a bolacha e passo a escutá-los ao lado da minha namorada gaúcha,
de quem logo me separaria. E quem disse que eu conseguia mais ouvir
coisas como a delicada "Milk Film" ou a belíssima "Love Plus One"? E
tinha uma coisa alegre demais chamada "Fantastic Day". Não dá pra ficar
na fossa e ouvir uma coisa com este título! Me desfiz do disco.
Muitos
anos se passaram e estamos em janeiro de 1999. O dolar está a R$1,15, a
Internet começa a se tornar popular e as importações de CD estão em
ritmo alucinante. Em uma tarde de sábado, com a ajuda de meu amigo Jessé
Primo, que pilotava a demoradíssima conexão discada daquele tempo, fiz
um "estrago" comprando, junto com meu outro amigo Gladyson, uma pilha
daqueles CDs que gostaríamos de ter mas nunca tivemos. Os mais atentos à
economia sabem que foi no final daquele mês que o dólar estourou. E
junto com o dólar, nossas compras, que de uma hora para a outra, quase
duplicaram de preço, e estavam crescendo a cada dia. E não adiantava
pagar antecipado, já que a fatura era cobrada em cartão de crédito
internacional. Estávamos ferrados. Quase todos os discos que pedi, uns
quinze, vieram, para meu desconsolo. O único que não veio, adivinhem, foi
o tal do Pelican West, do Haircut 100.
Acabou por aí? Que nada...
Umas duas semanas depois recebo uma encomenda avulsa com o disco. Além
dos U$13,99 que o disquinho abusivamente custava, ainda tive que pagar mais
doze "bucks" pelo transporte da belezinha dos EUA até aqui. E não
adiantou chiar com Tio Sam. Ele disse que eu não havia marcado um
maldito quadradinho que cancelava o envio posterior de possíveis faltas
momentâneas. Mas me conformei com meu disco pop de R$55,00 (aproximadamente 80 litros de
gasolina, naquela saudosa época), até porque o bichinho era mesmo danado de
bom. E ainda vinha com cinco faixas-bônus da hora. Beleza. Beleza?
Beleza uma ova! Seis meses depois eu encontrei o disco, igualzinho, em
um atacadista, por meros 14 reais!
E ainda assim, eu adoro este
disco...Chego a marejar os olhos ao ouvir "Surprise me again", que eu
considero a mais perfeita canção pop de todos os tempos. Se você tem bom
gosto, e gosta de rock com cores pop bem vivas, vá atrás desta faixa no
soulseek e me diga se eu não estou certo.
O Haircut 100 surgiu em
uma época em que a moda era o technopop. O punk já havia morrido, ou
voltado a sua condição natural de musica alternativa e a new wave
revisitava o rock dos anos 60 e 50 com muita agressividade. Eis que surge o Haircut
100, cheio de virtuoses despretensiosos, fazendo um pop-rock de
altíssima qualidade e com muita influência do bubblegum sessentista, mas
recheado de frases de jazz-rock e um tantinho de soul music. Tinha a
presença do tampinha Blair Cunninham, que viria a tocar mais tarde com
os Pretenders e o Echo & The Bunnymen, substituindo o então recém
falecido Pete de Freitas nas baquetas da banda de Liverpool.
Pelican
West é um disco perfeito para aquele fim de tarde na praia, quando já
estamos vestidos e de banho tomado, preparando a fogueira para o luau de
mais a noite. A guitarra-base de Graham Jones, que depois formaria o
excelente Scritti Politti é fortemente influenciada pela de Nile
Rodgers, do Chic. O que também não é nada demais, na verdade, já que
todo o pop inglês daquela época sofria influência do grupo "disco"
nova-iorquino. O que importa é que, com seu som francamente pop, o
Haircut 100 abriu as portas para outras bandas atoladas no pop,
como A Certain Ratio e Culture Club. Além de ser, provavelmente, o meu
disco mais simples e mais complicado. But i like it.
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