Eu não sou uma pessoa de muitos amigos, mas conservo os poucos que tenho muito bem guardados. Se meus amigos fossem discos, estariam bem na parte central de minha prateleira, todos juntos, ali - os meus álbuns preferidos - todos prontos a serem ouvidos a qualquer momento. De fato tenho mais discos que amigos, porém, os amigos que tenho são como meus discos favoritos: Um pequeno núcleo, bem selecionado, seja de gente ou de LPs, que levaria para uma ilha deserta para fazer uma festa.
Já aquele amigo que se tornou um desafeto é como um título que não cabe mais no meu gosto musical. Passei daquela fase, daquele som, que não me diz absolutamente mais nada. Então, me desfaço do disco. E me desfaço do desafeto também.
Há quem cultive desafetos como cultivaria pragas daninhas em seu jardim. Também planta flores por lá, mas em seu torto horto reserva um local a parte para as ervas que lhe fazem mal. Jamais entenderei estas pessoas: Se tal amizade não lhe fez ou faz bem, que arranque todo e qualquer vestígio dela de sua vida. Porém, eu não cultivo flores nem tenho desafetos. Eles é que me têm. E devem remoer-se em antipatia por mim, enquanto, para eles, reservo uma saudável indiferença. Posso até ser desafeto deles, mas eles jamais serão meus. Eu não coleciono desafetos, eu junto amigos.
Da mesma forma, guardo os meus ex amigos na memória como guardo na prateleira um disco que já enjoei de ouvir. Um dia qualquer, irei acordar inspirado e o colocarei na vitrola para tocar novamente. E o escutarei deliciado, me perguntando como pude passar tanto tempo sem ouvi-lo. Porque, assim como este disco temporariamente esquecido, um ex amigo nunca se afasta completamente de minha vida.
Os ex amigos teriam um lugar no meu jardim, caso eu tivesse um. Se não houve motivos fortes para que se tornassem ervas daninhas, continuarão a fazer parte da minha história. E, sim, lá estarão eles, enfileirados, como em uma prateleira repleta de Lps e compactos esquecidos, mas que podem voltar a ser ouvidos a qualquer momento.
Quanto aos que me consideram um ex amigo, espero que eu seja para eles também como aquele disco do qual enjoaram e guardaram nas prateleiras da vida. Espero, sinceramente, um dia voltar a ser “escutado” novamente. Porém, sempre como uma canção antiga tocada no rádio. Porque tudo na vida vem em ciclos de início, meio e fim. E parcerias, artísticas, comerciais, sejam o que for, se exaurem, se extinguem, como se acabam até mesmo os casamentos. Amizades verdadeiras jamais deveriam depender de interesses tão mesquinhos. Aos que me considerem seus desafetos, peço apenas que me esqueçam, tenham boa sorte e vivam suas vidas.
Ainda há os amigos distantes, dos quais nos separamos em alguma esquina da vida sem saber que tão cedo os veríamos novamente. É de bom tom não confundir os amigos distantes com ex amigos. Amigos distantes são como o Led Zeppelin IV: Por mais que o tenhamos ouvido aquele disco zilhões de vezes durante toda a vida, e por mais que o tenhamos guardado na prateleira, quando lembramos dele, ainda é um prazer escutá-lo.
Amigos distantes são assim: Reencontrá-los é como reouvir aquele disco empoeirado que localizamos no meio de tantos e que julgávamos ter perdido. Uma boa limpeza na superfície do vinil, a audição do lado A e, no começo do lado B parece que nunca o deixamos de ouvir estes anos todos.
Podemos sobreviver sem amigos e sem discos, mas a vida não teria tanta alegria assim.
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