A minha vocação para o comércio veio dos tempos da pré-puberdade. Um certo dia encontrei pela rua uma caixa de madeira que embalaria uma peça muito grande, provavelmente um motor de caminhão. Levei para casa, fiz algumas adaptações e transformei em uma banca de doces. Montei o meu pequeno negócio na garagem de casa e, para desespero de minha mãe, a coisa só fazia progredir.
Chegava da escola, tomava um banho, almoçava, assistia o Agente 86 na TV e, em seguida, abria a minha banca, indo até 8 da noite. Vendia doces, revistas usadas, jornais do dia e muitos etcéteras. Levava também um pequeno estoque, na pasta, para a escola, vendendo doces para os colegas por preços mais baratos que os da cantina. Um belo dia, minha mãe, vendo que meu ímpeto comercial não iria arrefecer, me fez uma proposta literalmente irrecusável: Compraria o meu estoque pelo dobro do preço, mas eu teria que abdicar do meu pequeno comércio. E deixou bem claro: Era isto ou isto mesmo. Se eu não desistisse por bem, o faria por mal, sem que eu recebesse nada pela desistência. Sem opção, tive que aceitar. Era o governo conservador de direita praticando o capitalismo de estado e impedindo a minha livre iniciativa.
Os anos se passaram e estamos em 1989. Eu, com um filho recém-nascido, trabalhando em uma agência de publicidade, ganhando muito mal e com um dinheiro guardado na poupança sem saber muito bem o que fazer com ele. Pensava em abrir uma banca de revistas, mas não tomava coragem para iniciar o processo. Resolvi pedir demissão da agência e continuar fazendo os meus “frilas” em casa, até que algo melhor aparecesse.
Morando em Feira de Santana e trabalhando para jornais de Salvador, era obrigado a ir, pelo menos uma vez por semana, até a capital para entregar os trabalhos. A carona de um amigo, que viajava para lá todas as terças, foi providencial. Passava o dia ouvindo o bom rock das suas fitas cassetes e fazendo turismo por Salvador, o acompanhando em suas entregas. No final da tarde, visitava meu editor, entregava os textos, recebia novas pautas e voltava para casa. Foi nestas viagens, entre uma canção de Roy Orbison e outra de Jerry Lee Lewis, que a ideia de montar uma loja de discos tomou forma.
Nestas viagens a Soterópolis, visitávamos as lojas de discos da capital, atrás de novidades e promoções. Frequentávamos desde as grandes lojas de shopping até os mafuás menos recomendáveis. Voltávamos carregados de novidades e raridades em vinil e algumas até mesmo em CD. Foi então que percebemos que, em Feira, não havia uma loja de discos como as de Salvador. Por outro lado, vivíamos o “boom” dos compact discs e tínhamos muita vontade de trocar nossos títulos em LP pelas bolachinhas de prata. Juntamos a fome à vontade de comer e demos início ao processo de montar uma loja especializada em rock e “música de qualidade” em plena Princesa do Sertão.
Encontramos um ponto barato, mandamos fazer os móveis e começamos a catalogar os itens de nossas coleções que disponibilizaríamos para venda. Da minha coleção, de cerca de 2.700 discos, foi embora absolutamente tudo. Tinha pavor àquela chiadeira do LP e o CD caiu como uma luva para mim. Já comprava CDs fazia algum tempo, mais ainda mantinha os LPs dos títulos que adquiria em laser. Com a loja, veio a desculpa perfeita para me desfazer deles.
O meu sócio tinha uma coleção de discos infinitamente maior que a minha e não foi difícil para ele parear uma quantidade de discos equivalente. Assim, demos o passo inicial de nossa loja de discos. Enquanto não ficava pronta, fomos comprando discos em promoção nas lojas de Salvador para complementar o estoque.
O nome da loja não foi um grande problema. Sugeri Muzak e o meu sócio aceitou de primeira. Muzak é o nome de uma empresa norte-americana que criava “versões para elevadores” de sucessos do momento. A ideia era gravar versões bem limpinhas e tranquilas dos hits de artistas famosos para que servissem de música ambiente nos elevadores. Com o tempo, Muzak virou sinônimo de música domesticada e descartável, feita para agradar o ouvido do consumidor médio. Como a loja surgiu justamente focada em um público supostamente de exigência e nível cultural mais elevado, ter o nome de Muzak soava como uma terrível ironia.
Não que as pessoas "de nível cultural mais elevado" que frequentavam a loja se dessem conta disto. A imensa maioria acreditava que Muzak era o meu sobrenome. Por alguns anos fui conhecido como "Renato Muzak", o que, aliás, não seria um nome artístico tão ruim assim. (continua).
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