Gastei a primeira mesada que ganhei toda em LPs e compactos. Isto, lá pelos idos de 76, depois de muitas reivindicações e palavras de ordem contra a exploração paterna. Não era muito dinheiro, mas também busquei meus primeiros títulos na prateleira de promoções das lojas de discos. Meu primeiro disco foi um compacto de um cantor de trio elétrico com a inacreditável alcunha de “Schultz”. Muitos anos depois viria a descobrir que o tal Schultz foi o primeiro cantor de trio elétrico da história. Mas àquela altura o disquinho do teuto-baiano já havia ido para a lata de lixo ou servido de troco em uma troca qualquer. O primeiro disco que tive com relativa consciência do que estava adquirindo foi uma coletânea de “discoteca” (ainda não havia o uso corrente no Brasil do termo “disco-music”) chamada Disco Revelation, um vinil amarelinho, todo mixado, que eu tenho até hoje.
Basicamente, quando comecei a ouvir música por mim mesmo, comecei pelo som disco, passeando pelo funk e pela soul-music. Mas o "marco zero" da minha virada para o rock foi quando minha santa mãe foi a Salvador e eu lhe pedi um disco da KC & The Sunshine Band. Ela me trouxe um LP em que uma mão segurava uma barra de ouro onde estava escrito King Crimson. O vendedor garantiu que era o disco certo. Não era. Tratava-se de um disco ao vivo da banda de Robert Fripp e não haveria disco pior para iniciar alguém no rock. Mal gravado e ao vivo, o USA só viria me conquistar muitos anos depois de passar um bom tempo escondido na coleção de minha mãe.
Um dia, ao passar uma temporada na casa de um primo mais velho, dei de cara com sua coleção de discos. Ao contrário da minha, a dele era bastante desorganizada e os discos eram mal cuidados, mas ele os ouvia intermitentemente. Ao me perguntar que tipo de música eu preferiria, eu lhe respondi, com toda a falta de jeito nerd, típica dos pré-adolescentes: Funk music. No caso, óbvio, não o funk carioca, que ainda não existia, e sim o norte-americano. Percebendo a minha falta de convicção, ele olhou sério para mim e preconizou: “- Comigo, aqui você vai aprender a gostar de rock and roll". E não deu outra: Submetido a doses cavalares de Cream, Rolling Stones, Pink Floyd, Yardbirds, Eric Clapton e Beatles, consegui assimilar quase tudo que ele me apresentou, menos os dois últimos.
De Clapton até hoje não sou um grande fã, mas quanto aos Beatles, fui reapresentado a eles por um dono de boteco que, entre uma tubaína e outra que me servia, tocava sons que me despertaram a atenção. Um dia, ao perguntar o que era aquilo que ele estava ouvindo, fez uma cara de espanto e disse: - “Como assim? Você não conhece isto? É Beatles!”. Luis, meu amigo até hoje, ainda me apresentaria a outras coisas como os Animals e ao Creedence Clearwater Revival. Leitor assíduo destas linhas, ele deve ter esboçado um sorriso agora, ao ler isto.
Eu tive a boa sorte de começar a comprar discos exatamente no momento em que a maior rede de lojas de discos da minha cidade, a saudosa “Tom Discos”, decretava falência e punha todo o seu estoque em promoção. E o que a Tom Discos tinha para vender não era coisa ruim: LPs do Cheap Trick, Bruce Springsteen, Billy Joel, Beatles, Byrds, Bob Dylan, Chicago e muito mais coisas. Com tanta barra de ouro a preço de banana, fiz a festa e iniciei a minha primeira coleção de discos realmente digna deste nome. A maior parte daqueles títulos está aqui até hoje.
O programa semanal de rádio de Marcelo Nova, na Aratu FM, o lendário Rock Special, me pós-graduou em rock and roll. Marcelo, ao nos apresentar aos novos sons dos anos 80, me fez render de vez ao punk rock, ao power pop e a new wave. Neste tempo, eu costumava escrever poesias, que registrava em um caderno que - obrigado bom Deus - se perdeu no tempo. Após assistir ao meu primeiro show do “Camisa de Vênus”, banda de Marcelo Nova, colei o ingresso na última página do caderno e escrevi: “Não faço mais coisas como estas (as poesias). Vendi minha alma ao punk rock”.
Aos 16 anos, meu gosto musical, finalmente, estava moldado. Dali em diante pouca coisa realmente mudou e acho que vou morrer gostando das mesmíssimas coisas que gosto há mais de 30 anos. A quantidade de pessoas a quem apresentei sons, em todos estes anos, modéstia posta de lado, é imensa. Ainda ontem (re) apresentei The Cars a meu filho, e olha que ele foi criado a base de feijão, arroz e muito pop and roll.
E, certamente, meu filho já apresentou e apresentará seus sons aos seus filhos e amigos. Aliás, até a mim ele já andou mostrando artistas muito interessantes. E os amigos a quem influenciei musicalmente também influenciarão a outros. No budismo isto se chama “girar a roda da vida”. E, sem dúvida, a roda que roda nos picapes, eu a tenho girado muito bem.
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