A música sempre fez parte da minha vida. Nasci mirando de dentro do berço para uma estante gigantesca (ao menos para alguém na mais tênue infância) recheada de LPs e compactos. Desde cedo me acostumei a ver minha mãe fuçar seus discos para ouvi-los, sempre aos domingos e sempre começando por Roberto Carlos e Agnaldo Timóteo. Dali em diante, como um verdadeiro random humano, ela ouvia, alternadamente, lados de lps e lados de compactos, sem muita escolha lógica. Então, eu era bombardeado com altas doses de Odair José, Tim Maia, Erasmo Carlos, Caetano Veloso e Hyldon, misturados com Helen Reddy, Tom Jones, Paul McCartney, Elton John e Commodores.
Ao final da década de 70, minha mãe não escapou da febre da disco-music, pelo contrário. Comprou singles da fina flor da disco nacional como os compactos de Lady Zu, Miss Lene, Dudu França, Cornélius Lucifer e alguns tipos mais obscuros. Adquiriu coletâneas com os hits do momento, singles do ABBA e dos Bee Gees. Até um de Alice Cooper ela tinha. E ouvia. Ao final do dia, ela encerrava suas audições sempre com o mesmo LP, um instrumental repleto de boleros: “Apache” , de” Bebert Ledure Et Son Orchestre”.
Minha mãe demorou a se render ao CD. Aconteceu basicamente porque uma prima deixou de lhe dar o tradicional LP anual de Roberto Carlos no natal para lhe dar o disquinho de acrílico, tentando convencê-la a mudar de mídia. Ela, firme na resistência, ainda comprou bolachões do rei por conta própria, mesmo tendo recebido o equivalente em CD de presente.
O Compact Disc fez mal ao gosto outrora apurado de minha mãe. Com a facilidade da mídia digital, ela passou a ouvir coisas terríveis como Zezinho Barros, Lairton dos Teclados, Frank Aguiar e outros artistas do mesmo naipe. Iniciei um processo de tentativa de regressão dela ao gosto original, digitalizando alguns de seus LPs e compactos, mas minha mãe se manteve firme no romantismo um tanto piegas e de gosto extremamente duvidoso destes artistas. Será que eu, quando envelhecer, também darei uma guinada do tipo?
Já meu pai, este foi músico na juventude. Tocava piston e dizem que tocava muito bem. Não sei afirmar se é verdade que tocava bem porque nunca o vi pegar em nenhum instrumento; mas a afirmação de que era músico procede. Já foi referendada inúmeras vezes por seus irmãos e a minha própria mãe. Mas, sem dúvida, o velho gostava de boa música. Ouvia Earth, Wind & Fire, Stevie Wonder, Giorgio Moroder, Michael Jackson – quando o cantor ainda era preto – e, acreditem se quiser, me apresentou ao Dire Straits, na época de Sultans Of Swing. Meu pai ouviu a música no rádio e partiu atrás do cassete (ele ouvia música basicamente no carro). Naquele ano de 1979, não se saia em seu fusca verde sem ouvir os solos de Mark Knopfler inundando os alto-falantes.
O meu velho gostava também de ouvir o que se convencionou chamar de “seresta”. Altemar Dutra, Silvio Caldas, Silvio César, Carlos Alberto... Era um romântico inveterado apesar da casca de durão machista. Cheguei também a apresentar alguns sons a ele. Lembro de, uma certa vez, ao ouvir o primeiro disco da banda inglesa Culture Club, que eu acabara de comprar, ele me pedir para gravar uma fita. Assim o fiz e posso garantir que, até hoje, apesar de já contar 26 anos da sua morte, ainda não consegui equipará-lo em quantidade de audições deste disco.
Também já brigamos por causa de música. O meu pai viu o clip de We Are The World na TV e se entusiasmou. Comprou o LP, coisa que nunca o vi fazer, e todo domingo eu era acordado às sete da manhã com aquela gritaria terrível no último volume do estéreo. E ele ainda ouvia o resto do disco, coisa que ninguém fazia. As músicas restantes eram um verdadeiro “o pior de” dos artistas participantes. Um dia, ao acordar mais cedo do que queria em pleno dia dos pais, por picuinha, fiquei sem parabenizá-lo. Hoje gostaria de fazê-lo todo mês de agosto, mas ele está lá em cima, atormentando Deus com seu disquinho do USA For Africa.
Gastei toda a primeira mesada que ganhei em discos. Isto, lá pelos idos de 76, depois de muitas reivindicações e palavras de ordem contra a exploração paterna. Não era muito dinheiro, mas também busquei meus primeiros títulos na prateleira de promoções das lojas. Daí em diante, a música, que já era importante em minha vida, se tornaria parte essencial. Eu havia me tornado um roqueiro de pai e mãe...(Continua)
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