Pular para o conteúdo principal

MORRISSEY E A BALA QUE MATOU KENNEDY.

Só mesmo um fã muito radical dos The Smiths não concorda que a banda rendia muito mais em estúdio do que ao vivo. A prova 'viva' é justamente o único disco gravado "em directo" oficial da banda, que deixa escapar a sua enorme fragilidade em apresentações para o público. Talvez foi pensando neste detalhe que, ao seguir carreira solo, o vocalista Morrissey procurou obstinadamente uma banda que tivesse punch suficiente para apresentações ao vivo. Ele só iria encontrar a formação ideal ao assistir uma apresentação da banda revivalista de rockabilly The Polecats. O grupo havia sofrido uma debandada geral, restando apenas o guitarrista Boz Boorer, que estava remontando-a com outro guitarrista, Alan Whyte e novos integrantes, mas sem o mesmo entusiasmo de antes.

Foi quando Moz os "descobriu" e propôs que eles se tornassem sua banda de apoio, no que prontamente aceitaram. Isto foi em 1992 e o resultado desta inusitada parceria, é que o grupo continua tocando com ele até hoje, inclusive com Boorer e Whyte se tornando parceiros do bardo de Manchester. O disco "You Are The Quarry" (em uma tradução livre, "você é a galera"), por exemplo, foi totalmente composto com os dois guitarristas. O som de Morrissey, desde então, ficou mais pesado e menos "fresco", no sentido aviadado mesmo da palavra. Os rapazes dos Polecats serviram como uma injeção de testosterona para Morrissey. Não me perguntem onde, por favor.

Este "Live In Dallas", que acaba de sair em VHS no Brasil, foi filmado ainda no mesmo ano, em 1992, logo após o lançamento do disco Kill Uncle, o primeiro com a participação da nova banda. Como se trata de um combo de "rude boys", desde o início do show se percebe que a adaptação de algumas canções mais "sensíveis" do cantor inglês se dá com uma certa dificuldade. Mas o resultado geral é muito bom e a banda se mostra firme e até bem humorada, como nos gritos esquisitos de November Spawned a Monster que Alan Whyte reproduz com enorme bravura e fidelidade. A inclusão das brilhantes covers de Thrash (New York Dolls) e That's Entertainment (The Jam) mostram que os rapazes não estavam mesmo pra brincadeira.

A performance de Morrissey sob o palco da cidade em que John Kennedy foi morto (há um disco de Elvis com o título do filme, por sinal) é surpreendente mesmo para quem já conhece sua personalidade. Logo de cara a surpresa é a "macheza" do vocalista, que, já em 92, quando o show foi realizado, havia abandonado muitos dos trejeitos efeminados que fazia à frente dos Smiths. Faz questão de descer ao fosso e apertar a mão de seus fãs (claro que ele parece claramente se regozijar com o assédio), pega cartas jogadas da plateia, recebe com bom humor uma chuva de flores jogadas pelo público e dá espaço para performances solo dos integrantes da banda de apoio.

Quando alguns garotos sobem ao palco para tentar abraçá-lo, Moz, se não os incentiva, também não os reprime, o que faz com que o espetáculo seja encerrado antes do que deveria por não haver mais condições de segurança. Os teens presentes acabam rasgando a blusa do músico em pedacinhos, criando um souvenir instantâneo. No bis, a invasão do palco se torna generalizada e ele é obrigado a fugir para os camarins, deixando à cargo de Alan Whyte terminar de cantar a música de encerramento. 


No final das contas, se percebe porque Morrissey é tão querido pelos fãs. Muito diferente de outros rock stars esquisitinhos e esquisitões, desta e de outras eras, ele é um de nós, uma pessoa absolutamente comum que, no palco, parece estar em uma festa em seu apê , cheia de penetras, mas se divertindo muito. "Ele é a galera", como diz o título de um de seus discos. Não me arrependo de ter dado ao meu filho o seu nome.
(Publicado originalmente em 1996) 

Atualização em 2021: Hoje eu me arrependo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A CARTA ANÔNIMA

 Quando eu era menino, ainda ginasiano, lá pela sexta série, a professora resolveu fazer uma dinâmica bastante estranha. Naquele tempo ainda não tinha esse nome mas acho que ela quis mesmo fazer uma dinâmica, visto pelas lentes dos dias atuais. Ela pediu que cada aluno escrevesse uma carta anônima, romântica, se declarando para uma outra pessoa.  Eu confesso que não tive a brilhante ideia de escrever uma carta anônima para mim mesmo e assim acabei sem receber nenhuma carta falando sobre os meus maravilhosos dotes físicos e intelectuais. Já um outro garoto, bonitão, recebeu quase todas as cartas das meninas da sala. E sabe-se lá se não recebeu nenhuma carta vinda de algum colega do sexo masculino, escrita dentro de algum armário virtual. Eu, é claro, escrevi a minha carta para uma menina branca que nem papel, de óculos de graus enormes e um aparelho dentário que mais parecia um bridão de cavalos. Ela era muito tímida e recatada, havia nascido no norte europeu mas já morava...

O SONHO

  Oi. Hoje eu sonhei contigo. Aliás, contigo não. Eu sonhei mesmo foi comigo. Comigo sim, porque o sonho era meu, mas também com você, porque você não era uma mera coadjuvante. Você era a outra metade dos meus anseios juvenis que, quase sexagenário que sou, jamais se concretizaram. Não que a falta de tais anseios me faça infeliz. Não faz. Apenas os troquei por outros, talvez mais relevantes, talvez não. Hoje de madrugada, durante o sonho, eu voltava a ter 20 anos e você devia ter uns 17 ou 18. Eu estava de volta à tua casa, recebido por você em uma antessala completamente vazia e toda branca. Branca era a parede, branco era o teto, branco era o chão. Eu chegava de surpresa, vindo de muito longe. Me arrependia e queria ir embora. Você  queria que eu ficasse, queria tirar minha roupa ali mesmo, queria que eu estivesse à vontade ou talvez quisesse algo mais. Talvez? Eu era um boboca mesmo. Você era uma menina bem assanhadinha, tinha os hormônios à flor da pele e eu era a sortuda ...

Porque não existem filas preferenciais nos EUA.

Entrei em contato com um amigo norte-americano que morou por muitos anos no Brasil e o questionei sobre a razão de não haver filas preferenciais nas lojas norte-americanas. Ele me respondeu que não havia apenas uma mas várias razões. Uma delas é legal, porque é anticonstitucional. A enxutíssima constituição dos Estados Unidos simplesmente proíbe que determinado grupo social tenha algum direito específico sobre outro. Ou todos têm ou ninguém tem. Então, lhe questionei sobre as ações afirmativas na área de educação. Ele me respondeu que as ações afirmativas seriam constitucionais porque serviriam justamente para nivelar um grupo social em desigualdade aos outros. O que não seria, segindo ele, o caso de gestantes, idosos e deficientes físicos. A segunda razão seria lógica e até mesmo logística: Uma fila preferencial poderia ser mais lenta do que a fila normal e acabar transformando um pretenso benefício em desvantagem. Isto abriria espaço para ações judiciais no país das ações judic...